Há cerca de quatro anos como CEO da J. Walter Thompson, Ezra Geld tem carreira consolidada na agência e uma passagem no exterior na estrutura da holding Omnicom. A agência, que ocupa a 11ª colocação do Kantar Ibope Media, está consolidando os processos para ser 100% digital. Tudo começou pela mídia, disciplina que ele considera essencial na integração com as demais.

A era digital, mais do que uma tendência, é cultural. “Quando agência e clientes assumem que não sabem, é corajoso e mais produtivo”, explica o executivo que, nesta entrevista, diz ainda que a publicidade é o encontro da arte com a ciência. No portfólio de clientes da agência estão Avon, Tramontina, Nestlé e Coca-Cola, por exemplo.

Alê Oliveira

MÍDIA

A transição já ocorreu, mas foi difícil. Mídia no modelo antigo era uma questão, entre aspas, meramente execucional, uma transação de compra e venda de espaço e audiência para veiculação de campanhas. Com a tecnologia, os primeiros a experimentar foram os veículos de comunicação. A mídia deixou de ser, novamente entre fortes aspas, tática para ser muito mais estratégica. Porque não é mais meramente um meio para fins publicitários. Os meios se multiplicaram e os motivos são vários. Inevitavelmente a importância para a atividade de mídia cresceu. E, onde tinha uma pequena sobreposição com outras áreas da agência, sobretudo no planejamento, permanece e ainda é grande. Não se consegue fazer o planejamento de uma marca sem conhecimento da mídia. De certa forma, isso sempre foi verdade, mas no mundo moderno se aprofundou um pouco.

PROJETO
Nos conformamos muito tempo atrás de que nunca mais teríamos um produto perfeitamente pronto e para sempre. Conseguimos mudar a mentalidade da agência. A primeira ação foi garantir que a cultura criativa estivesse preparada nas nossas estruturas para receber as mudanças que estão ocorrendo. A peça mais difícil para implementar foi nos acostumarmos com uma cultura de caos total em relação à anterior, que queria conforto com estabilidade total. As empresas que nascem hoje já são digitais e com tudo em beta, portanto com o intuito de que o que faz hoje não será aplicado amanhã. Grandes agências estabelecidas no mundo tiveram de aprender à posteriori, porque nasceram na era industrial, onde o que funcionava num dia funcionava também no outro, apenas com adição de eficiência para fazer o mesmo melhor. Isso não se aplica mais. Para a J. Walter Thompson, o caminho foi pegar essa máquina azeitada e adaptá-la para se adequar ao mundo novo, que é se reinventar todo dia. A mudança já foi feita, faltando apenas no back office. No geral, o processo criativo entende que a solução de hoje não se aplica mais amanhã.

CLIENTES
Com isso em mente, estamos prontos para as demandas dos clientes, que muitas vezes nem sabem o que será o amanhã. Quando agências e clientes assumem que não sabem, é corajoso e mais produtivo. Essa é a mudança mais feliz e estratégica dessa era digital.

ESFORÇOS
Treinamento, imersão em novas formas, mecanismos mais frequentes para refrescar pensamento, troca de profissionais para acompanhar a evolução mais constante do mercado. Há sete anos começamos o processo de hibridizar para fazer com que os talentos que não estavam confortáveis com o digital e os nativos pudessem atuar em conjunto. A revolução digital começou pela mídia, que facilitou as mudanças necessárias à agência.

ESPECIFICIDADE
A publicidade requer talentos diferentes. Eu não sou formado em publicidade, portanto penso de forma não linear. A atividade continua precisando de publicitários, mas também de designers, engenheiros, programadores etc.

BUSINESS INTELLIGENCE
Introduzimos o BI (Business Intelligence) há pelo menos nove anos. Em um primeiro momento, foi mais uma escola do que um exercício de mudar o trabalho. Mas ele interfere na máquina toda. O produto que entregamos hoje não é mais estático e o BI é a ferramenta mais importante para entender que ação e reação são quase contínuas. Quando uma campanha está no ar, sabemos imediatamente se foi aceita ou não. Assim sendo, força uma mudança muito rápida do processo criativo. Quando treinamos as pessoas a não terem medo do novo, errar passa fazer parte porque há possibilidade de consertar muito rapidamente, além de ter à disposição mecanismos de experimentação e troca contínua.

CONSEQUÊNCIA
Errar faz parte, mas as pessoas não gostam e não estão acosstumadas a errar. O grande desafio que colocamos para os clientes é que nossos profissionais já estão na frequência de correção de rota, mas os sistemas usados pelas agências e anunciantes não permitem o erro porque estão fomatadas para respostas perfeitas. Isso é complicado porque faz com que se demore para errar. Se pegássemos uma ideia e descobríssemos que está errada, era muito mais fácil do que concebê-la, fazer testes, veicular e só depois disso saber que há erro. Nesse ponto, estamos em uma fase de transição dos sistemas e das formas de interação onde o se errar faz bem possa estar em um sistema operacional coletivo entre as agências e seus clientes.

MÍDIAS SOCIAIS
A maioria dos profissionais já está aculturada. Com elas, levamos provas para os clientes, para o bem ou para o mal. As discussões com os clientes e os institutos de pesquisa são profundas. Temos de avançar nessa questão.

DADOS
Sempre tivemos dados. E até demais. Hoje a velocidade é inacreditável, mas continuam em demasia. O desafio e talento é saber que o foco é o conjunto. Sozinhos, dados provocam cegueira.

FEELING
Essencial. Temos de saber usar dados de forma correta e saber embuti-los no processo criativo. Os mais tecnológicos pregam que os dados podem resolver todos os problemas. Não sou dessa escola; dados orientam. Como lidamos com seres humanos, precisamos ter feeling, sim. Ainda estamos perdidos porque a geração de dados é maior do que a capacidade de máquinas e instituições se atualizarem. Outro desafio, que é estratégico e sofisticado, é como garantir a camada humana e não perder o controle da voz dos dados. Vejo que as agências buscam uma solução.

PRODUTO
Vendemos criatividade em prol dos negócios e integração. Isso não necessariamente quer dizer que sempre queremos vender uma suíte integrada de tudo que está disponível. Temos uma compreeensão e vantagem competitiva: somos integrados e completos, mas trabalhamos em conjunto com os fornecedores dos nossos clientes. Entendemos que não vendemos sistemas fechados, porque o mundo novo é open source. Temos produtos e soluções maravilhosas, mas precisamos ter cuidado. A crítica alheia precisa ser fundamentada na questão do business do cliente e não na vontade de vender.

PUBLICIDADE

É o encontro da arte com a ciência, do comércio com a cultura. A mídia é esse encontro: dados e comportamento. Por isso, o aumento da relevância nesse encontro com as exatas.

INOVAÇÃO
Não temos medo de errar. Mantemos uma cultura de incentivo à ousadia e à inovação. Com isso criamos uma prática em que é possível experimentar mais e buscar mais soluções para os nosso clientes. O mercado em geral parece já ter entendido a importância de experimentar mais, de errar mais. No entanto, precisa ainda que suas estruturas e sistematização estejam preparadas para isso. Hoje elas funcionam em busca dos resultados perfeitos. Com isso, quando algo não sai exatamente como eles querem, demora-se muito mais tempo para corrigir. É preciso entender que o que serve hoje pode não servir amanhã e saber lidar com essa velocidade.

CULTURA
Temos prova no nosso currículo de que é possível se reinventar. Não é a primeira vez que a Thompson passa por cenários muito radicais. Não é a primeira vez que a Thompson enfrenta uma crise no país. A revolução tecnológica que passamos hoje é muito mais complexa e aguda do que o surgimento da televisão.