Com a incorporação do grupo brasileiro ABC no último dia 20, um negócio de R$ 1 bilhão, a holding norte-americana Omnicom consolida sua posição de segundo maior grupo de comunicação publicitária do mundo. À sua frente apenas o britânico WPP. O francês Publicis Groupe, com quem tentou fusão há dois anos, mas sem êxito, é o 3º. É uma reação importante da Omnicom, que não vinha fazendo movimentos como seus principais concorrentes, que têm ido às compras com maior frequência.

Alê Oliveira

A finalização do negócio depende de aprovação da autoridade antitruste brasileira, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa da Economia), porque tanto o ABC como o Omnicom têm faturamento no país superior a R$ 400 milhões. Especialistas do mercado não acreditam que haverá objeção por não caracterizar concentração – que ocorre quando há participação de mercado superior a 20%. A expectativa é que o trâmite seja concluído no primeiro trimestre de 2016.

Com 70 mil funcionários e mais de cinco mil clientes, o Omnicom tem um faturamento anual de US$ 15,4 bilhões, maior do que o Facebook, que gira em torno dos US$ 14 bilhões. Só não se aproxima do valor de mercado da rede social, que chega aos US$ 250 bilhões – o valor do Omnicom é US$ 17 bilhões. As ações do Omnicom tiveram elevação nas bolsas logo após o anúncio da aquisição.

As negociações tiveram início há nove meses e os acionistas e fundadores do grupo brasileiro, Nizan Guanaes (ver entrevista) e Guga Valente, mais o Fundo Kinea e Banco Icatu, deram preferência ao Omnicom pela “boa convivência” de 18 anos através da DM9DDB. O WPP se articulou para ter a preferência, mas a negociação não evoluiu.

Para capitalizar o ABC, foi planejada a realização de um IPO (sigla em inglês para oferta pública de ações), mas a desaceleração da economia brasileira inviabilizou a ideia. Se a elevação do dólar garantiu escala à holding norte-americana na aquisição, ela foi sintomática no ABC, que já chegou a ocupar a 19ª posição do ranking global de faturamento quando a cotação do dólar estava em torno de R$ 2,00, mas, que, com atual cenário da moeda americana, pode ter caído para o 24º lugar.

Sem a possibilidade do IPO, a venda é cognitiva com a pretensão de crescimento e adequação tecnológica do ABC, que exigem investimentos regulares. Segundo uma fonte, chegou a se cogitar uma joint venture com o canadense MDC Partners, cuja associação poderia criar um grupo mais robusto.

O ABC vai funcionar como uma sub holding do Omnicom. A mesma fonte acredita que marcas internacionais do grupo americano poderão ingressar no Brasil e marcas locais têm a possibilidade de ganhar nomenclatura de relevância global extraída do portfólio do Omnicom.

Os sócios de cada empresa do ABC permanecem com esse status. Maurício Magalhães, por exemplo, que detém 25% da Tudo, continua com esse percentual. Apenas na Africa, cujos sócios Sergio Gordilho, Marcio Santoro, Olivia Machado e Luiz Fernando Vieira, que optaram por ‘roll-up’ (consolidação), assim como Alcir Gomes Leite e Paulo Queiroz, copresidentes da DM9DDB, que eram acionistas do ABC, se tornam executivos. A BFerraz foi a única agência que não foi integrada à venda. Foi negociada há cerca de um mês com Bazinho Ferraz, que detinha cerca de 11% do ABC. Saem da sociedade o Fundo Kinea e o Banco Icatu.

“O Grupo ABC é uma companhia excepcional, com conhecimento, trabalho criativo e expertise em várias disciplinas. E por muitos anos tem sido um grande parceiro do Omnicom”, declarou John Wren, presidente e CEO do grupo. “O Omnicom vai dar ainda mais força para nossas companhias competirem em um tempo de extraordinárias mudanças tecnológicas”, destacou Valente. “Esse grupo tem as mais criativas e premiadas agências do mundo e isso é algo que realmente importa. Juntos, vamos nos preparar para atender nossos clientes com toda inovação e capacidade digital que um negócio moderno demanda nos dias de hoje”, ressaltou Guanaes. “Agora sou um Omnicom guy”, prosseguiu, referindo-se ao status de executivo que vai ter junto com seus pares no grupo, cujo contrato é de cinco anos.

Alê Oliveira

Segundo o comunicado divulgado pela Omnicom, o negócio foi “via” DDB Worldwide. Fontes do propmark acrescentam que houve intermediação de uma subsidiária do grupo, sediada no Reino Unido. Chuck Brymer, CEO da DDB Worldwide, disse que a parceria unirá ainda mais duas companhias, que já compartilham os mesmos valores e ambições criativas. “Eu conheço o Nizan e o Guga há mais de uma década e admiro o sucesso deles tanto no Brasil quanto no exterior. Eles são um tremendo ganho para DDB e Omnicom, e estamos muito entusiasmados com a oportunidade de combinar nossos ativos para ajudar nossos clientes a crescer”, afirmou o executivo.

O Grupo ABC, pela primeira vez, não contabilizará lucro. Segundo Valente haverá empate técnico em uma comparação com 2014. “Ficaremos perto dos R$ 990 milhões. Algumas agências tiveram desempenho excelente, como a Africa e a DM9. Outras perderam receitas, como a Loducca. A CDN, que teve um crescimento generoso com a Copa do Mundo, voltou à realidade, mas, mesmo assim, como tem administrado muitas crises, vai bem. Mas, no cômputo geral, vamos ficar no zero a zero”, disse. “Para 2016 a perspectiva é de indefinição, mas creio na recuperação da economia brasileira. As Olimpíadas vão gerar oportunidades”, acrescentou.

Nizan finaliza: “Essa é a realização de um sonho porque fortalece o ABC e dá continuidade aos planos de inovação e tecnologia. Somos um grupo com base na criatividade e agora ela se estende para o universo dos negócios. A Omnicom é a casa da criatividade. Esse ‘deal’ tem a ver com a nossa parceria histórica. Eles abraçaram a nossa cultura, que será lançada em um livro no próximo dia 14”.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista exclusiva que ele concedeu  ao propmark.

Qual é o significado dessa negociação para o ABC?
Além de ser o reconhecimento da qualidade da propaganda brasileira, é o reconhecimento ao valor e à qualidade das empresas que compõem o grupo. Para o ABC, ela aumenta o poder de nossas agências em competir num cenário cada vez mais disruptivo e globalizado, de mudanças tecnológicas rápidas e bru tais. Com o Omnicom, não corremos risco de ser uberizado. Pelo contrário. Ganhamos escala, conhecimento e acesso às melhores conexões e aos melhores talentos do nosso setor no mundo todo.

É a coroação de um processo?
É a nova etapa de um processo. Eu e Guga somos empreendedores. O empreendedor busca sempre criar valor e oportunidades. Agora estamos mais fortes para seguir esse processo, dentro de uma estrutura global forte, criativa e inovadora.

Quais os principais planos?
O plano é crescer, oferecendo serviços ainda melhores aos nossos clientes. A estrutura de comando e a operação do ABC seguem iguais. Estamos focados na consolidação da cultura ABC, que agora ganha mais relevância ainda. O Omnicom não comprou um conjunto de agências, mas uma forma de fazer as coisas, que eu e Guga lideramos, mas que está sendo impregnada em todos os talentos de nosso grupo por meio da cultura ABC, uma cultura de federação, que respeita as particularidades de cada estado.

Esse acordo se resume aos cinco anos do contrato firmado?
Eu estou muito animado. Cinco anos foi a data mínima estabelecida no contrato. Mas eu não penso dentro dessa caixinha temporal. Penso em tudo o que podemos fazer agora dentro do Omnicom. As possibilidades são enormes. Estou muito animado e feliz. Nosso contrato de ficar na DM9 era de 2 anos e estamos com ela há 18.

O relacionamento com o Omnicom foi levado em conta na escolha, afinal outros grupos estavam interessados na absorção do ABC?
Nossa relação, que já dura 18 anos, com o Omnicom foi fundamental. O Guga tem ótimo relacionamento com o John Wren, e eu, com todos os monstros criativos do grupo. Estamos acostumados e felizes em trabalhar com eles. É parecido com um casal que vive junto há muitos anos e então decide se casar.

Quais valores o Omnicom pode agregar ao ABC nessa nova fase, sobretudo pela economia brasileira não permitir uma desenvoltura maior dos grupos nacionais na consolidação de novos investimentos?
O Omnicom abre portas do mercado global e do conhecimento para nossas empresas. Num momento de disrupção tecnológica, eles estão na ponta das transformações. Têm empresas fantásticas da área digital, por exemplo, com as quais poderemos aprender muita coisa. Vamos fazer um seminário Omnicom no começo de 2016 para o ABC. E menos de uma semana depois do deal, nossas agências já estão sendo chamadas para concorrências internacionais.

Poderia explicar a cultura ABC e como ela pode ser cognitiva ao Omnicom e sua rede?
A nossa cultura é inspirada em Bill Bernbach, o “pai da publicidade moderna”. É uma cultura dedicada aos clientes, criatividade eficaz e pessoas que têm atitude de dono em suas empresas. Somos um grupo com mais de 2.500 donos.

O Omnicom permite a você e aos executivos do ABC carreiras internacionais?
Meu foco é no Brasil, mas o Brasil globalizado. Temos aqui uma escala e uma competência que nos permite abrir portas pelo mundo, mas focado no Brasil. A associação com o Omnicom nos tornou globais.

O ABC vai poder participar de forças tarefas globais para decisões estratégicas e também formar grupos globais aqui no Brasil para projetos especiais?
Sim, como já é de praxe, na DM9.

Como você vê o modelo brasileiro?
Fantástico. Uma vez estava discutindo com o Martin Sorrell, do WPP, concorrente que admiro, sobre o nosso modelo. Ele defendia o modelo internacional e eu rebati dizendo que o nosso é como a mão inglesa. Ela só existe na Inglaterra, mas isso não significa que esteja errada.