Martin Sorrell, que deixou no sábado (14) o cargo de CEO do grupo WPP, foi um executivo muito próximo do mercado publicitário brasileiro. Ele sempre enxergou no país grandes potencialidades de crescimento, especialmente para o futuro da holding. O auge desse relacionamento se deu entre 2010 e 2014, período no qual  os índices de crescimento do PIB do país variaram dos 7,5% apontados em 2010, passando para, nos anos seguintes, 4%, 1,9%, 3% e para a quase retração de 0,5% no último ano do primeiro governo Dilma.

Há cerca de oito anos, Sorrell declarava ao mundo,  com brilho nos olhos, que esta seria a década da América Latina e, especialmente, do Brasil. O país, com receitas estimadas em US$ 700 milhões para os negócios do grupo, era a grande aposta do WPP.  Em junho de 2011, por exemplo, o executivo avançou no mercado digital do país com as aquisições das agências Fbiz e Gringo, anunciadas em um período de menos de 24 horas entre si. Na cabeça de Sorrell, o futuro do grupo viria de áreas como tecnologia e digital, além das operações de países dos chamados BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) e dos Next Eleven (outras 11 nações com projeção de crescimento).

Não à  toa, Sorrell visitou o país por diversas vezes nesse período. Em reuniões que duravam em torno de 20 minutos, ele ouvia cada liderança de agência local para compreender o potencial de seu negócio no Brasil. Nessas reuniões, também conversava com agências que desejava comprar. Especulou-se até a compra do Grupo ABC, que seria adquirido pelo rival Omnicom em 2015. O executivo foi um grande entusiasta de um país que sediaria a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.

Camisa nove

Um dos projetos mais midiáticos de Sorrell no Brasil foi a parceria com o ex-jogador Ronaldo Nazário. Juntos, lançaram a 9ine, agência que tinha por objetivo gerenciar projetos de marketing esportivo, contratos de patrocínio e imagem de atletas. Neymar Jr. e Anderson Silva foram alguns dos atletas ligados à 9ine, lançada em 2010, e que encerraria suas atividades em 2016.  

Em 2011, Ronaldo e Sorrell participaram juntos do Fórum Econômico Mundial na América Latina, que ocorreu no Rio de Janeiro. Foram as grandes estrelas do evento que teve um painel sobre esporte como legado para transformação social. Junto deles, participou Luis Moreno, então presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento. No mesmo ano, assistiram juntos ao amistoso Brasil x Escócia, no Emirates Stadium, em Londres. 

Em 2012, a dupla dividou o palco do Festival de Cannes para um debate. Era o ano dos Jogos Olímpicos de Londres. O tema girava em torno da importância do esporte e dos eventos esportivos para o futuro da mídia. A TV como mídia, segundo Sorrell, teria muito sentido para transmissões ao vivo, por isso, a importância do esporte nesse futuro. Após o fim da parceria, Ronaldo, se tornaria investidor da Octagon, outra agência na área do esporte. 

O lado brasileiro de Sorrell também tem uma relação com a escola de negócios Fundação Dom Cabral,  criada em Belo Horizonte, da qual é conselheiro. Ele possui a mesma função em outras escolas do mundo como Harvard, IESE (Navarra), Indian School of Business e a China Europe International.

Vale lembrar ainda que uma das executivas mais influentes no WPP é a discreta Ann Newman, brasileira nascida em Ribeirão Preto e formada na PUC-SP. Mora nos Estados Unidos há quase 40 anos, sendo aproximadamente 30 deles dedicados ao WPP.

Criatividade brasileira

Um dos grandes projetos de Sorrell na última década foi a ampliação da reputação criativa das agências do WPP, com forma de distingui-las no mercado e atrair negócios. Houve forte investimento em profissionais de criação através das principais redes, Ogilvy, J. Walter Thompson, Grey e Y&R, na compra de empresas como a AKQA, e na participação em festivais de publicidade, especialmente o Cannes Lions. Dos sete anos em que o prêmio “Holding of the Year” é disputado na França,  em todos o WPP foi o vencedor. O Brasil teve papel preponderante nessa estratégia.

Em 2013, atingiu-se o auge da paixão de Sorrell pelo Brasil. Além do bom momento econômico, o país ajudou o WPP a conquistar seu primeiro e, até agora, único título de Agency of the Year em Cannes, graças ao trabalho da Ogilvy Brasil e suas campanhas “Retratos da Real Beleza”, para Dove, vencedor inclusive do prestigioso Titanium Lions, troféu para a melhor ideia do ano, e “Fãs eternos”, para o Sport Recife, que ganhou Grand Prix em Promo&Activation.

Nos últimos anos, Sorrell lamentava o momento econômico difícil pelo qual o Brasil passava, mas sempre manteve o otimismo sobre o futuro do país. Em 2015, disse que o Brasil levaria de dois a três anos para se recuperar. Em agosto do ano passado, o WPP reconheceu o momento difícil de seu negócio e da própria indústria da publicidade. Sorrell apontou o cenário global, com o aumento do “populismo” no Reino Unido e Estados Unidos e o corte de verbas de P&G e Unilever. Também mencionou condições difíceis na China, Rússia e no Brasil.  Em nenhum momento, no entanto, ele perdeu a confiança nas possibilidades do mercado ao qual tanto se dedicou.

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