Todo ano uma das grandes expectativas no Cannes Lions é a apresentação da R/GA. No palco do festival, os olhos procuram o boné que é marca registrada do fundador da agência, Bob Greenberg, que traz novidades disruptivas a cada ano, como há três anos, quando anunciou a aposta em startups ou ainda quando passou a contar com o próprio fundo de investimentos, e, mais recentemente, quando anunciou a consultoria como parte de seu modelo estratégico, em resposta ao movimento de grupos de consultoria de se enveredarem pelo marketing.,

Alê Oliveira

Como você encarou a atitude de alguns grupos em Cannes, este ano, ao decidirem não inscrever peças em festivais em 2018?

É preciso ir um pouco além. No caso do Grupo Publicis, creio que eles estão pagando caro demais e tentando consolidar seus ativos digitais, e não necessariamente concordo com a estrutura e o modelo que escolheram.

Você se refere à rede de inteligência artificial que vai conectar todo o grupo?

Sim. Se você vai fazer algo assim, há ferramentas que se pode usar como Slack. E em um grupo de 80 mil pessoas ou mais, é preciso ter uma estrutura organizacional colaborativa. Mas, historicamente, a maneira como agências tradicionais se desenvolveram e cresceram foi em ambientes competitivos. O que estão tentando fazer é ter um canal único, algo que, por sinal, nós temos faz tempo. Mas para isso temos também uma estrutura de grupo que permite que todos os escritórios estejam conectados. O que eles dizem estarem fazendo pela primeira vez, nós já fizemos faz tempo. O que me intriga é por que criar um software novo quando já existe tanta coisa disponível que pode ser combinada para cada tipo de necessidade.

Que tipo de software vocês usam?

Temos desenvolvido ferramentas como Red Square and Skill Set, que permitem, por exemplo, analisar em nosso staff global quem está ocupado, quem não está. Todos os portfólios estão conectados, revelando habilidades e interesses das pessoas, para facilitar o recrutamento para jobs. Tudo está vinculado a um sofisticado sistema de controle. Portanto, o que penso é que se deve evitar que pessoas inscrevam trabalhos, globalmente, em premiações.

E qual a sua visão dos prêmios?

Premiações não são exatamente o que parecem ser. Uma parte do que acontece em um festival como Cannes é encontrar pessoas, com as quais você precisa ter contato em determinados momentos. Nós aproveitamos para encontrar nosso pessoal criativo, juntamos mais de 20 pessoas de diversas partes do mundo que dificilmente conseguiríamos reunir. E isso não tem nada a ver com prêmios, tem a ver com encontrar pessoas e conversar sobre o futuro. Os prêmios ajudam na retenção de talentos, e são uma oportunidade de ver trabalhos. Vejo coisas incríveis em Cannes. Algumas cerimônias de entrega são excepcionais. E gosto de encontrar pessoas, conversar com pessoas, isso me enriquece. Cortar isso é privar as pessoas que trabalham com você dessa experiência, e isso as fará não ter vontade de trabalhar no seu grupo. Criar uma plataforma integrada é algo que precisa ser feito, sou totalmente a favor. Mas o preço não precisa ser esse.

Parece que hoje muitas agências seguem os passos que a RG/A deu há 10 anos. Como você vê isso?

Algumas sim. Mas o mais importante de tudo é que damos resultado e estamos, ao mesmo tempo, inovando e ampliando a nossa rede. Não somos uma rede gigantesca, o que simplifica as coisas, e nem queremos ser. Mas acredito que temos um bom plano para seguir em frente. Temos várias novidades para implementar e temos crescido organicamente, o que deixa nossa rede Interpublic satisfeita. Creio que estamos na direção certa.

E o novo modelo R/GA By Design? O que representa?

O que é diferente a respeito deste modelo é que, desde o início, há uma startup, uma aceleradora e a R/GA Ventures. Nenhuma agência faz nada próximo do que estamos fazendo, estamos entre as melhores empresas de venture do mundo. Outra parte importante do modelo é a consultoria. Sabíamos que as consultorias se moveriam na direção dos serviços de marketing, então entramos no negócio das consultorias. Há muitas coisas boas no modelo das consultorias. São imensas, maiores do que as holdings de comunicação, mas, na minha visão, não possuem o drive criativo. Estão comprando empresas, mas ainda assim precisam integrá-las. A R/GA é integrada, nosso movimento é diferente. Se você analisar o que a R/GA fez com o Bradesco no Brasil, no case Next, foi um trabalho que uniu consultoria, tecnologia, inovação, user experience, uma relação próxima com os altos executivos do banco e principalmente a sua confiança. Foram dois anos e meio de um trabalho integrado. É, em parte, um trabalho de consultoria. Também entramos na área de design organizacional, com a Connected Spaces, que é algo crítico para nós. Cuidamos dos espaços físicos da agência, estamos investindo em espaços de trabalho sofisticados, conectados, e oferecemos isso para clientes também. Connected by Design representa o trabalho de aceleração de empresas (cerca de 100 em que investimos), nosso Venture Studio conectado à nossa prática de consultoria, ao nosso time de transformação de negócios, à nossa agência, com espaços totalmente adaptados ao cenário digital. E ainda temos pessoas focadas em propriedade intelectual. Não vejo nenhuma outra maneira de crescer além do modelo que escolhemos: trabalhar com aceleradoras de startups (que é trabalhar com as pessoas que estão de fato inovando, com novos negócios); ter uma consultoria – que implementa projetos, para além do PPT, dentro das áreas que escolhemos atuar -; e ter uma agência com mais de 15 departamentos que atuam de maneira colaborativa, numa rede interconectada.

A R/GA nunca foi uma agência de publicidade tradicional. Isso facilita estar no mundo hoje e parece ser uma vantagem em relação a grupos que buscam transformação. Há esperança para quem nasceu tradicional?

Sim, claro. A tecnologia dos primeiros tempos do nosso negócios era a televisão. E, por causa da TV, foram criadas as redes globais. A TV hoje é apenas parte daquilo que realmente importa, vivemos um mundo completamente diferente. E é preciso ser colaborativo. Eu vim do mundo do cinema, e esta é talvez uma das indústrias mais colaborativas de todas, em que há mil pessoas trabalhando para que algo estreie numa determinada data. E há muita inovação ocorrendo ali, em Los Angeles, por isso estamos lá. Esse é o modelo fundamental que precisa ser levado em conta no mundo da propaganda e muitas empresas ainda não incorporaram. Trata-se de um novo modelo criativo em que as pessoas trabalham juntas não para conquistar o espaço umas das outras, mas com um propósito comum. E é, preciso dizer, mais complexo do que o trabalho que eu realizei no cinema há anos atrás. Mas a publicidade parece continuar presa ao modelo do redator/diretor de arte buscando a big idea…

Há mais discursos do que prática…

As pessoas que construíram esse negócio e o fizeram no passado eram experts na arte da persuasão. Mas ela não funciona mais. Hoje o que vemos são clientes indo embora, abandonando quem não sai do discurso. Mas há algumas empresas conseguindo fazer bem essa transição. Há muita gente talentosa. O PJ Pereira é uma delas.

Os prêmios não acabaram se tornando um símbolo desse modelo antigo, em que tudo o que se persegue é uma grande ideia capaz de conquistar um Leão, por exemplo?

Sim, durante muito tempo foi assim, com certeza. Mas não mais. Não é o que eu tenho visto em Cannes. Não é o que vi este ano. Acredito que as premiações estão se encarregando de eliminar as ideias vazias. E buscar as premiações com trabalho consistente acabará levando as agências para a direção correta.

E o papel da R/GA em eventos como Cannes, trazendo o novo? Torna festivais mais interessantes do que os próprios prêmios?

Escuto muito isso. Este ano um cara do Canadá me parou e disse que estava ali pela quinta vez só para me ouvir falar. E a cada ano, tem sido diferente e surpreendente. No fundo é isso que buscamos, mesmo.

Quais foram os grandes movimentos que a agência fez?

Temos trabalhado continuamente no aprimoramento do nosso modelo. Aprendendo com as empresas com as quais nos conectamos e fazemos negócios. Mas isso é apenas parte do todo. Desconstruir a R/GA no sentido de pegar todos os seus pedacinhos e integrar a novos é o segredo. Para entender este processo, é preciso compreender o que significa o conceito de implementar. Pode-se trabalhar com outras empresas e realizar trabalhos em parceria, para serem inscritos em Cannes, por exemplo. Mas isso não é implementar novos processos e novas capacidades, não é mudar de maneira genuína. Trabalhar com empresas parceiras é algo que as agências sempre fizeram, mas não é o que fazemos. Nosso modelo é integrado, colaborativo, em 19 lugares do mundo. O que nos torna diferentes é que não há parceria: estamos integrados, e oferecendo os nossos serviços dentro de casa. Temos estúdios de conteúdo preparados para trabalhar com apresentações, vídeos, influenciadores, desenvolver protótipos. Criamos um modelo global de arquitetura totalmente integrado e focado em fazer crescer os negócios dos clientes. E não há outro modelo possível, estou 100% certo disso.

Implementar, portanto, tem sido a tônica da R/GA, certo?
Parece que estamos nos gabando, mas é exatamente isso. E estamos sempre aprimorando, errando, refazendo. Talvez nunca fique perfeito, mas continuamos tentando. É como construir uma casa. Se você não tem nada planejado de antemão, se não pensou no que pode dar errado, não testou nada, com certeza não terá uma estrutura muito boa. Por isso o design é tão importante. Simplicidade é um segredo importante.