Não é difícil identificar fotos de mulheres retocadas por Photoshop, embora o recurso, depois de muitas polêmicas, tenha passado a ser utilizado com maior sutileza. A França é mais um país que pretende adotar a prática de obrigar quem se vale do recurso em imagens publicitárias ou editoriais de moda a publicar tarjas de advertência, como as que nos acostumamos a ver nos pacotes de cigarro. É uma espécie de alerta para a realidade, algo como “não acredite no que os seus olhos veem”. A novidade se soma à lei que pune quem contrata modelos magras demais, com índice de massa corporal abaixo de parcos 18%.

A implementação de punições graves para agências e grifes que deem trabalho a modelos magrelas não é novidade – e procura desestimular o culto à magreza prejudicial à saúde, prática que, em pleno século 21, continua fora de controle. A medida já é praticada em Israel desde 2013. No Brasil, projetos de lei dessa ordem já andaram tramitando em Brasília, sem obter sucesso. Os avisos semelhantes aos das caixas de cigarro vêm a calhar: a anorexia é um distúrbio com elevadíssima taxa de mortalidade, em torno dos 20% – índice que supera as mortes por câncer de mama, por exemplo. Especialistas acreditam que entre 1% e 10% da população mundial sofra com o distúrbio. Dentre as doenças psiquiátricas, é considerada a maior causadora de mortes. Ou seja, magreza em excesso faz mal à saúde – mental e física.

É triste constatar que diante de tantas evidências, empresas ligadas a moda, beleza e bem-estar sigam divulgando ideais prejudiciais à saúde. Elas precisam mesmo ser punidas – nem que seja com os ridículos avisos nas imagens adulteradas que divulgam. Usar photoshop em publicidade e editoriais de moda é de uma perversidade ímpar, pois afirma que apenas mulheres e homens “perfeitos” são suficientemente bons ou belos. É um culto à perfeição dos deuses, não dos mortais. Uma aberração ao lado de empresas que faz tempo mudaram atitudes e discursos defendendo outras abordagens da beleza. A campanha Retratos da Real Beleza já tem cinco anos, afinal de contas. A campanha da Ogilvy para Dove foi eleita a melhor do século 21 há mais de dois anos. Entre outras iniciativas. Tudo indica que a indústria da moda ainda é uma das mais retrógradas do planeta. Passou a maior parte da sua existência na terra pisoteando a autoestima feminina e vinculando-se a ideais de beleza irreais – sem falar no estímulo ao consumo desenfreado de roupas e acessórios baratos, a chamada fast fashion, moda a preços de banana fabricada com mão de obra barata. Tarjas e multas parecem pouco diante de tanta alienação.

Em tempo: pensei em escrever algo sobre o polêmico anúncio das lojas Marisa. Mas cheguei à conclusão de que tenho pouco a dizer a respeito. A publicidade não é um circo em busca de aplausos, onde o que vale é não perder a piada. Não se trata de moralismo, mas de uma ética que deve reger nossas vidas de maneira geral, nos fazer pensar a respeito daquilo que fazemos. Sem isso, creio que estamos perdidos. E esse também é o recado deste artigo.

Em tempo 2: Picasso disse, sabiamente, que é preciso tempo para tornar-se jovem. Fica a minha gratidão imensa ao jovem José Zaragoza, que, entre alguns outros poucos nomes da propaganda mundial, me fez olhar para a indústria da propaganda com um brilho infantil.