O excesso de foco, paradoxalmente, está nos deixando cegos. No universo mercadológico, então, vem sendo fatal. Refiro-me ao excesso de atenção que empresas dos mais variados portes e mercados vêm dando aos próprios processos, produtos e serviços, abrindo mão de enxergar as reais motivações de prospects e clientes. Miopia em marketing é o nome da “doença”. A expressão foi cunhada ainda nos anos 60 pelo então professor da Harvard Business School, Theodore Levitt, autor do pioneiro e atualíssimo artigo sobre o tema – após quase seis décadas.

Do ponto de vista clínico, miopia é a dificuldade em distinguir imagens à longa distância. No âmbito corporativo, significa praticamente a mesma coisa: é um distúrbio na visão empresarial – e no longo prazo. Provocada pelo excesso de auto centrismo e por uma retumbante falta de empatia, a “enfermidade” vem acometendo companhias dos mais variados segmentos e nichos. “Empresas e agências olham para as pessoas que compram os seus produtos como ‘público-alvo’ e não como seres humanos. Alvos remetem sempre a algo que deve ser atacado e nunca abordado de forma a ser conquistado com diálogo”, coloca a jornalista Regina Augusto, neste excelente texto sobre marcas autocentradas.

Assim como na medicina, em marketing não é recomendado focar em demasia no próprio produto, sob pena de tornar a visão “turva”, “opaca” e “embaçada”. Da mesma forma que é arriscado não comparecer à uma consulta com o oftalmologista a cada seis meses, perder essa sintonia com a realidade, sem dúvidas, é “brincar com a própria sorte”. De modo a evitar a “fadiga”, a “vermelhidão” e o “lacrimejamento” no futuro, a primeira providência que empreendedores e gestores podem tomar, por incrível que pareça, não é ver, mas escutar.

Sim. Ouvir o que as pessoas falam sobre o negócio nos mais diversos canais, off, on e all-line, envolvendo-as em todas a cadeia do consumo – da identificação da necessidade (ou do desejo, como preferir), até as etapas do pós-compra e da fidelização. Isso é o que as empresas podem fazer de mais relevante em prol da própria “saúde ocular” (e, em última instância, claro, de si mesmas).  

As marcas mais bem sucedidas são exatamente as que escutam os seus públicos nas mais variadas plataformas. Faça o “Teste de Snellen”: pergunte ao seu cliente o que, de fato, ele espera da sua empresa. São altíssimas as chances de você ouvir algo como: mais transparência, menos oportunismo e mais propósito.

O que “salta aos olhos” desse consumidor?

“Envolvimento da marca: com os consumidores, com a comunidade, com o mundo, compartilhando suas crenças e valores. Além de mais horizontais, a demanda é por relações mais humanas entre marcas e pessoas, pautadas pela convergência de interesses e pela ampla (e quase irrestrita) disponibilidade para o diálogo”, pontua a expert em engajamento Daniela Schmitz.

A medicina conta com uma série de métodos para proporcionar ao paciente uma visão saudável e nítida no decorrer da vida: colírios, óculos, lentes de contato e até mesmo cirurgias. O marketing, por sua vez, conta com o engajamento para estimular as pessoas.  É inspirando os nossos clientes que poderemos agregar valor às marcas, construindo uma verdadeira base consumidora não apenas de coisas, mas de significados.

É desta forma que neutralizamos a cegueira.

É assim que conquistamos a visão.

Gabriel Santacreu é sócio-fundador e diretor de atendimento da Agência 242