Alê Oliveira

Recentemente, o Giraffas tornou-se um dos personagens principais de uma estratégia na internet deflagrada pelo Burger King para atingir o McDonald’s. O oportunismo rendeu à rede brasiliense um alcance de quase 20 milhões de pessoas via Facebook e realizou um desejo antigo do diretor de marketing da empresa, Ricardo Guerra: o de tornar a área menos engessada e aproveitar melhor as oportunidades do dia a dia. O executivo conta, nesta entrevista, detalhes dessa ação e de outras que garantiram ao restaurante faturamento de R$ 760 milhões em 2014.

Há quanto tempo o Giraffas está no mercado?
O Giraffas já tem 34 anos, começou em 1981, em Brasília, como uma lanchonete que era bem tradicional, inclusive com outros produtos, como crepes. Era um restaurante local. Os dez primeiros anos do Giraffas foram em Brasília, com um crescimento bem devagarinho e fundamentado em uma relação muito próxima com o brasiliense. Até hoje existe uma nostalgia, um orgulho de Brasília ter feito o Giraffas.

E hoje, a relação continua próxima? Vocês estão em quantos estados?
Essa história nos coloca em um ponto muito interessante: o Giraffas é, já há um bom tempo, de acordo com as pesquisas que a gente faz, líder em alguns estados. A gente consegue, com o nosso modelo, se destacar muito bem e até a liderar alguns estados e nessa região, principalmente. Hoje só não estamos no Rio Grande do Sul.

São quantas unidades no total?
São 400 unidades no Brasil e mais 11 em Miami. Além disso, são 18 lojas Tostex, que é uma outra marca que lançamos há quatro anos.

Como é a estrutura de marketing da empresa?
Estou há três anos e meio na empresa, entrei como diretor de trade, operava alguns restaurantes, tinha uma empresa própria que fazia a gestão de 50 restaurantes Giraffas. E aí, entre as várias discussões, acabaram me convidando para criar uma estrutura de trade, que era basicamente melhorar a ativação da marca ponto a ponto. Naquele momento, ainda existia uma desconexão entre as várias atuações regionais, com algumas regiões em que a gente liderava, como Brasília, Goiás, Manaus, e outras em que a gente era muito fraco do ponto de vista de ativação, como o Ceará. Com isso, a criação do trade tinha como objetivo justamente sair um pouco desse método tradicional, que focava só em TV, e começar a aproximar a experiência do consumidor, a ativação no local. A gente criou uma equipe de 20 pessoas que conseguia ir no detalhe da execução loja a loja, apoiar o franqueado a crescer e, com isso, potencializar o investimento feito no meio tradicional. A gente brinca que são dois multiplicadores, o de empurrar e o de puxar.

Houve queda no investimento em mídias tradicionais?
Sim, bastante. Mas houve uma mudança. Hoje temos uma gerência de trade, uma de marketing e uma de comunicação. Dentro do marketing tenho estruturas de canal, categoria, merchandising e BI. Fazemos toda a análise do ponto de vista do macronegócio na minha gerência de marketing. Na minha gerência de trade, puxo toda essa estratégia e, localmente, vejo as várias possibilidades. O trade também foi responsável pela estratégia que adotamos este ano diante de um cenário mais complicado: a sola de sapato. Parece brincadeira, mas é como o marketing começou e o que fazemos, de ir de loja em loja de um shopping onde tem Giraffas, por exemplo, e falar com todos os funcionários para aumentar o nosso fluxo. Com o boca a boca tem loja que a gente cresce 40% na semana.

Em mídias digitais o investimento aumenta?
Demos um foco grande nos últimos anos em digital. Tem campanha nossa que chega a ter 30% do investimento em digital e algumas que são específicas para o meio. A gente começou a olhar como adequar melhor as mensagens que a gente tinha aos formatos digitais. Hoje o meio já é uma ferramenta que usamos bastante e estamos aproveitando oportunidades que têm trazido bastante exposição pra gente.

Como no caso da conversa entre Burger King e McDonald’s, sobre o sanduíche especial para o Dia da Paz?
Essa foi uma ação muito importante para nós. Um dos principais pontos dessa ação, que acho ser o mais difícil nas empresas hoje, é a flexibilidade. A gente já vinha conversando há muito tempo com as nossas agências, tanto a institucional, a Mood, quanto a digital, a Peppery, que a gente precisava ser flexível para aproveitar oportunidades, inclusive ligadas à concorrência, e mensagens que estivessem rolando na rede no momento. Quando a agência teve a ideia em cima do post do Burger King, eles comentaram que era algo que normalmente nem apresentariam a outros clientes, por conta da ousadia da proposta. Mas na hora eles pensaram “vamos mandar que o Giraffas vai gostar”. Da Peppery então foi para a Mood, que também gostou bastante, até que chegou na mão da pessoa que faz o filtro do digital para mim. Essa pessoa, que inclusive é um estagiário, apresentou para a gerente de marketing, que pensou “agora nós vamos realizar o sonho do Ricardo, pode aprovar”.

E você gostou de imediato?
A gerente de marketing nem falou comigo, pois sabia que era exatamente isso que eu vinha pedindo. A mensagem foi para o ar e eu só vi duas horas depois, porque estava em meio a uma reunião. Quando eu vi, comecei a briga, que era outra: por que ninguém ainda tinha colocado dinheiro para impulsionar aquele post? Isso mostra, na verdade, que não só as ideias precisam fluir dentro de um sistema de marketing, mas toda a equipe. Aqui a gente entende que são muitas pessoas e players envolvidos na área e, se você tem um sistema engessado, um post como aquele demoraria mais de uma semana para ser aprovado. Aí acabou, é tarde demais. O Giraffas foi a primeira rede a responder sim à proposta do Burger King, inclusive na frente de todas as redes americanas que responderam sim. Só os nossos posts no Facebook em resposta ao Burger King tiveram um alcance de quase 20 milhões de pessoas, algo que uma estrutura engessada não permitiria. Acabou essa história de marketing engessado, não dá mais para pensar que as coisas acontecem em um, dois ou três anos. Não foi uma sacada genial de marketing, aposto que muitas outras empresas tiveram essa ideia, mas não souberam aproveitar por uma vaidade sistêmica, na qual existe um processo de aprovação gigantesco

O que essa ousadia tem trazido para o Giraffas? Como está o ano para a empresa?
No ano passado, tivemos recorde de novos contratos assinados e neste ano também já tivemos muitos novos contratos. O ritmo, obviamente, diminuiu um pouco nos últimos meses, mas a procura para abertura de lojas, de investidores, continua e devemos fechar com 30 a 35 lojas inauguradas até o fim do ano. Estamos crescendo num ritmo um pouco menor em relação ao ano passado, mas com as inaugurações conseguiremos impulsionar um pouco esse crescimento. Sem dúvida é um ano bem desafiador. No ano passado, tivemos
R$ 760 milhões de faturamento e a expectativa para este ano é de chegar a R$ 850 milhões.

Como é o posicionamento do Giraffas dentro do setor de alimentação fora do lar?
A gente é uma rede de restaurantes, nosso grande desafio é ser fast food, que é comida rápida, mas sem ser junkie. No Giraffas, a gente faz tudo de forma muito artesanal. Nossos restaurantes diariamente produzem arroz, feijão, salada, farofa, tudo aquilo que as pessoas cozinhariam em casa. A gente se posiciona como uma rede que, acima de tudo, defende o sabor que o brasileiro gosta. Inclusive este ano trouxemos, em abril, a assinatura “Gostinho Brasileiro” – um reposicionamento para a marca que começamos a trabalhar. O grande ponto e oportunidade desse conceito é resgatar as origens do brasileiro, que hoje entra em uma praça de alimentação e vê que a maioria das operações é italiana, japonesa, chinesa, árabe…

Vocês inclusive tiraram, recentemente, os lanches do cardápio infantil. Por quê?
Nossas crianças ainda comem muito errado. Já faz um ano que a gente tirou o sanduíche e passou a oferecer refeições saudáveis para as crianças na composição com o brinde. Isso fez diminuir nossas vendas, mas abrimos mão disso para ser mais saudáveis.

O que isso trouxe de benefício para a marca?
De um modo geral, a gente tinha 25% das vendas em sanduíches. Do dia para a noite, a gente abriu mão disso para trabalhar algo que a gente acredita muito, que é o marketing de causa. Tem três anos, por exemplo, que a gente adotou o Instituto Ayrton Senna como parceiro de causa, mais voltado à educação. Além disso, nesse caso sem ligação com o Instituto, assumimos como empresa esse compromisso com a melhoria dos hábitos infantis e a contribuição para que a sociedade tenha um futuro mais saudável. No contexto do Giraffas, isso não é só uma questão de imagem e de marketing, mas de posicionamento. Essa tendência vem se concretizando e é apenas questão de tempo para termos uma grande mudança no setor de alimentação, que já vem sofrendo e tendo queda nas vendas por conta de conceitos ultrapassados de alimentação.