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Após uma década de avanços constantes a desigualdade entre homens e mulheres voltou a crescer em 2017. 

Os dados levantados em 144 países pelo Fórum Econômico Mundial (WEF), revelados no início de novembro, calculam que, se o ritmo atual for mantido, as desigualdades entre homens e mulheres no trabalho vão persistir por mais 217 anos, quando, anteriormente, a previsão era de 170 anos para que se chegasse à igualdade nas áreas do trabalho, educação, saúde e política.

E a questão não é muito diferente quando os olhos se voltam para a indústria da comunicação. Num momento em que se fala tanto sobre o empoderamento feminino, da importância da igualdade entre os gêneros, a pergunta é por que ainda se vê tão poucas mulheres em importantes cargos de comando no mercado?

Segundo Gal Barradas, sócia e copresidente da BETC/Havas, essa é uma questão histórica e cultural, que levará algum tempo para se modificar em grande escala.

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“Há poucas mulheres na liderança porque durante séculos acreditou-se que esse não era um lugar para elas. Para haver mulheres no board, é preciso que antes existam mulheres presidentes, vice-presidentes e diretoras. Ou seja, é preciso que haja mulheres na escala de poder e gestão nos cargos anteriores, para que elas possam ascender. Está se tomando consciência sobre o que significa a igualdade de gêneros para a produtividade e resultados das empresas há muito pouco tempo, mas já se nota que as coisas estão mudando e, daqui algum tempo, veremos grandes avanços nessa área. Acredito nisso. Mudança cultural, infelizmente, leva tempo, mas está sendo feita”, reflete.

Sobre a pesquisa do Fórum Econômico Mundial, Gal salienta que as mulheres tiveram um papel fundamental nas economias dos países, sobretudo nos emergentes, como o Brasil. “Quando há uma crise, as mulheres são as primeiras a serem preteridas no mercado de trabalho. E sendo as mulheres brasileiras 51% dos micro e pequenos empreendedores no país, a crise tem um peso sobre elas também. Mas, no caso desse ranking, sabemos que o que jogou o país para baixo foi a pouca participação na política, pois, na educação, por exemplo, as mulheres passaram a frente dos homens. Há mais mulheres saindo formadas do ensino médio e das universidades no nosso país. A política tem desafios enormes aqui e esse é mais um deles”, afirma.

Para Miriam Shirley, copresidente da Publicis Brasil, que, assim como Gal Barradas, divide a presidência de uma agência com um homem, reverter esse cenário é uma obrigação de todos, mas é algo que não será feito do dia para a noite.

“Primeiro, temos de falar sobre o assunto e derrubar antigos mitos. É preciso parar de jogar a responsabilidade por essa situação desigual na própria mulher. Não dá mais para ouvir frases como ‘ah, ela priorizou a família’ ou ‘a gente deu chance, mas ela não queria ficar até tarde para poder cuidar dos filhos’. Esse tipo de desculpa não condiz com o mundo em que vivemos e esconde o problema real. A nossa obrigação é olhar para a indústria e identificar os entraves dentro das próprias empresas que impedem o crescimento profissional da mulher. A partir daí, cada empresa tem de montar um plano de ação claro para que as mulheres e os homens tenham condições iguais de desenvolvimento”.

INCLUSÃO

O plano de ação da Publicis Brasil chama-se Publicis Plural. Trata-se de uma plataforma voltada para promover a diversidade e a inclusão. Dentro dele, há o Publicis Por Elas, que tem o objetivo de promover o intercâmbio entre universitárias e profissionais mulheres de diferentes áreas da agência.

“A ideia é mostrar para essas jovens que elas podem seguir pelo caminho que bem entenderem dentro da indústria publicitária, rompendo rótulos e padrões predeterminados. Esse projeto surgiu porque acreditamos que a questão da forte presença masculina na criação nasce antes mesmo do ingresso no mercado de trabalho. Por isso, estamos estudando a questão para aprofundar os benefícios do Publicis por Elas”, conclui Miriam.

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Mas será que a grande maioria das decisões ainda não está nas mãos de pessoas que têm hábitos antigos e conservadores? Para tal questão a resposta de Joanna Monteiro, chief creative officer da FCB Brasil, é:

“No caso das agências de publicidade, 99% são homens que têm extrema dificuldade em se sentir seguros em dar cadeiras, que são raras, para mulheres. A desculpa é quase sempre a de que elas não estão preparadas, mas vi muitos homens assumirem cargos de CCOs para os quais também não estavam preparados. Eles eram uma aposta. Então, por que não apostar em uma mulher? O que sinto é que dar uma ótima posição para mulheres em detrimento dos homens é muito difícil para homens que cresceram em um ambiente corporativo, onde eles se ajudam há anos”.

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Ainda segundo a criativa, que já foi eleita pela publicação americana Business Insider como a mulher mais criativa do mundo da publicidade, as mulheres têm as mesmas dificuldades que os homens em confiar no próprio talento, mas já começaram a se ajudar.

“A maioria das grandes empresas já é liderada por mulheres incríveis, que estão dando cada vez mais espaço para mulheres em suas equipes. Sei porque escuto isso delas em grupos de lideranças femininas, nos quais muitas vezes sou a única de criação. Mas, além disso, sempre provoco: ‘Vocês procuram saber quantas mulheres têm na criação da agência que atende vocês? Há diversidade de gênero, étnico-racial, de idade?’ Essas perguntas já são feitas por alguns clientes nos Estados Unidos, por exemplo, e fazem com que as agências pensem em como atrair talentos femininos, como formar e como reter, porque a indústria precisa ter diversidade na hora de criar, sob pena de fazer trabalhos menos efetivos e ou até míopes para as marcas. É preciso contar com todos para acelerar esse processo, que é positivo para todos”, aponta Joanna.

Pioneiras

Em 1978, a publicitária Hilda Schutzer entrou para a história ao se tornar a primeira mulher a liderar uma agência de publicidade no Brasil.

A executiva presidiu a Castelo Branco Borges e Associados (CBBA) até 1985, quando a J. Walter Thompson adquiriu a totalidade das ações da empresa. Já na América Latina, Christina Carvalho Pinto, presidente do Grupo Full Jazz de Comunicação, foi a pioneira a presidir um grande grupo multinacional, o Grupo Young & Rubicam, por oito anos.

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“Meus desafios nunca estiveram ligados ao fato de ser mulher. Pelo contrário, justamente por atuar em um ambiente de predominância masculina, houve sempre grande curiosidade e interesse, tanto da mídia como do mundo empresarial, por minha trajetória, minhas visões, minhas escolhas. Isso foi e continua sendo positivo, pois contribui para que abra caminho para outras mulheres. Além disso, cresci no meio de homens. Tenho quatro irmãos e adoro o universo masculino. Convivo maravilhosamente bem com esse universo e sempre tive consciência de que as grandes ideias são uma questão de talento, não de gênero”, relembra Christina.

Com 47 anos dedicados à indústria da comunicação, Marlene Bregman, consultora de planejamento estratégico da Leo Burnett Tailor Made, começou a carreira na publicidade como trainee de pesquisa de mídia na Carl Ally Inc. Advertising, nos Estados Unidos, após concluir mestrado em pesquisa de propaganda na Syracuse University, em Nova York.

Mas foi no Brasil, no fim dos anos 1970, que começou a sua empreitada na consolidação da Leo Burnett como uma das principais agências do país, ao desenvolver o departamento de pesquisa e planejamento da companhia.

“Quando comecei a trabalhar com propaganda não existia GRP (Gross Rating Points), fax, a gente falava por Telex. A primeira vez que vi um storyboard saindo pelo fax pensei que era bruxaria. Então, antigamente não tinha GRP e, hoje, falo de Big Data e algoritmos. Antigamente, tínhamos apenas televisão e, hoje, tenho centenas de canais e redes sociais. A tecnologia empoderou a comunicação. É um mundo completamente novo e é um privilégio poder ter passado por toda essa trajetória e aprendido com ela”, afirma Marlene.

DIFERENÇA

Questionadas sobre o olhar diferenciado que a mulher traz para a publicidade, as executivas revelam que algumas características femininas trazem o equilíbrio para o mundo corporativo.
“A mulher pode, sim, trazer um olhar diferenciado para a mídia como um todo se ela tiver a coragem de ser inteiramente mulher na atuação profissional. A natureza do feminino tem características predominantes, pelas quais o mundo está clamando neste momento: empatia, afetividade, intuição, receptividade e flexibilidade, entre outras. Marcas e mídia precisam expressar mais desse feminino, pois o embotamento dessas características é a causa central do desequilíbrio que hoje afeta gravemente o ser humano e o planeta. O problema é que grande parte das mulheres em posição de liderança assume características do masculino no poder, acentuando o desequilíbrio. O universo dos líderes precisa das duas naturezas”, comenta Christina.

Já para Marlene, não está nem na moda fazer essa diferenciação de gênero. “É um fato que a mulher traz um olhar mais sensível, feminino, maternal e romântico para as coisas. Diferente do homem, que é mais objetivo, prático e mais voltado para resultados. Gosto de dizer que somos distintos e temos insights diferentes, mas um complementa o outro. Não gosto de participar dessa guerra entre gêneros”, afirma Marlene.

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“Acredito que os direitos, sim, têm de ser iguais. O movimento feminino começou na década de 1960 e nós continuamos lutando mais ou menos pelas mesmas coisas. Até hoje a mulher, que desempenha a mesma função que o homem, ganha menos do que ele, e isso é uma vergonha”, acrescenta.