A jornalista Ana Holanda é editora da revista Vida Simples desde 2011 e acaba de lançar o livro Como se encontrar na escrita, fruto de muitos anos de aprimoramento de uma técnica de escrita afetuosa que ela ensina em workshops pelo Brasil. A revista Vida Simples, da Editora Caras, acaba de ser comprada pelo casal de empresários Eugênio Mussak e Luciana Pianaro, e passa a fazer parte de um projeto de plataforma de educação para a vida, que ela explica nesta entrevista, na qual também fala dos desafios do jornalismo e do meio revista. Para ela, o jornalismo padece, entre outras coisas, da incapacidade de escuta. “Ninguém está olhando para o outro”, diz.

Bruno de Souza/Divulgação

Jornalismo e essência
Acho que o maior desafio é passar por este processo de mudanças, inevitável, sem perder a essência das coisas: do jornalismo e do objetivo de tudo isso. A essência do jornalismo é informar, contar as histórias, os fatos, da melhor maneira possível. Perceber as histórias, checar as informações, e olhar para as pessoas no meio de tudo isso. Reconhecê-las, abrir espaço para ouvi-las de verdade. Atualmente, percebo que temos pecado demais nisso: não estamos ouvindo as pessoas, enxergando ou percebendo o outro. Construímos monólogos sem nos darmos conta. Isso está fazendo o jornalismo padecer.

Revistas e caminhos
Eu não tenho a resposta porque também estou nesta busca. Os modelos digitais ainda não se sustentam financeiramente. Às vezes penso que quando buscamos soluções iguais para todos, como se todas as respostas fossem colocar tudo no digital e decretar o fim do papel, é como olhar para o futuro com uma única lente. E tudo o que o futuro pede é que a gente olhe por muitas lentes, tamanha a variedade de possibilidades que temos. Pode ser que alguns títulos tenham uma essência dentro do papel. Outros não. Mas como saber para qual caminho seguir? De novo, na minha visão, as respostas são novamente as pessoas. Olhar para elas, de verdade. Ninguém está olhando para o outro. Ninguém.

Vida Simples
Vida Simples me ensina todos os dias. Com ela aprendi que um bom conteúdo, um texto feito com profundidade, que olha, conversa com o outro, pode fazer uma diferença enorme. Pode ser a diferença entre morrer ou viver no mundo editorial. Nos últimos anos, quando boa parte das revistas amargou uma queda de vendas abrupta, Vida Simples, no máximo, desceu um degrau de escada. Os leitores, apesar da crise, se mantiveram fiéis, seguiram lendo a revista, comprando, se informando. Então, eu vejo futuro longo para Vida Simples. Acredito demais no título, na marca, na voz que ela representa. Enquanto ela seguir olhando para as pessoas, conversando por meio de seu texto, ela vai encontrar espaço e seguir em frente.

Público e propósito
O público é variado, homens e mulheres de 15 a 80 anos (mas, predominantemente, na faixa dos 30 a 45). Mas prefiro dizer que é uma publicação feita para pessoas que estão em busca de algo, um propósito, um sentido de vida, de equilíbrio em seu dia a dia. De novo, acho que a gente precisa olhar para além das pesquisas.

Mudança e modelo
Vida Simples está passando por mudanças neste momento, após a compra pelo casal Eugenio Mussak e Luciana Pianaro. O Eugenio é colunista da Vida Simples desde a primeira edição, é palestrante, escritor e trabalha dando consultorias de gestão de pessoas para empresas. O foco do Eugenio e da Luciana é a educação para pessoas. Eles já trabalhavam esta vertente dentro das empresas. O projeto Vida Simples inclui, além da revista em si, uma plataforma digital, com site mais robusto e, num futuro próximo, cursos presenciais e online com foco no autodesenvolvimento, boxes com curadoria, produtos, app. A revista terá versão online, mas a edição física segue nos mesmos moldes: impressa, com entrega para assinantes e venda em bancas. A edição de outubro, que será a de número 200, virá com novo projeto gráfico. Nada radical. A essência da revista será mantida, do ponto de vista gráfico e editorial. O modelo de publicidade está sendo repensado. A ideia é que Vida Simples tenha apoiadores, marcas que acreditem na causa, nos títulos, nas ideias. Isso estaria colocado na primeira página da revista, no formato: marcas que nos apoiam. O objetivo não é ter um anúncio tradicional de uma página.

Escrita e cursos
Quando comecei a escrever para Vida Simples, há oito anos, me impressionava a quantidade de mensagens de leitores com o comentário de que os textos “conversavam” com eles. Então, comecei a tentar entender o que fazia um texto conversar com o outro e, assim, se perpetuar, e outro que era “descartável”, aquele que a pessoa lê e cinco minutos depois não lembra mais o que leu. Percebi que isso tinha a ver com o envolvimento de quem escreve e com a maneira como o texto é escrito. Mergulhei mais e mais nisso. Até que, há quatro anos, fui falar no festival Path. E, pela primeira vez, falei sobre aquilo que denominei “escrita afetuosa”, aquela que marca, conversa, encontra o outro – e se perpetua. A sala encheu. Tempos depois, uma pessoa que havia me ouvido naquele festival, me escreveu me convidando para dar um curso sobre aquilo. “Curso?”, pensei. Eu sou jornalista, nunca havia me imaginado dando um curso, tão pouco que aquilo poderia interessar outras pessoas. Ledo engano. O primeiro curso de escrita afetuosa foi realizado há três anos, em Belo Horizonte. E, a partir daí, eu viajo pelo Brasil falando sobre este olhar mais humano, próximo, que conversa, cria pontes, estabelece uma conexão profunda e duradoura com o outro. E mais: é destinado para qualquer um, não apenas para pessoas que trabalham com a palavra ou com a comunicação.

Escrita afetuosa
É uma escrita de encontro, em que eu olho nos olhos do outro. É próxima, humana, e exatamente por isso o leitor se encontra ali, se percebe, se vê naquele texto. Para mim é como se aquele que escreve tivesse (finalmente) olhado para quem lê e dissesse “ei, eu estou te vendo, vamos conversar?”. A gente não percebe, mas quando escrevemos, em geral, nos colocamos num lugar distante, às vezes de superioridade, em relação a quem lê. Pensamos apenas na técnica e deixamos de enxergar a nós mesmos e também o outro ao longo da construção do texto. O que faço nos meus cursos é exatamente mostrar como a linguagem, a construção do texto, pode fazer a diferença entre se perpetuar ou morrer. Em geral, as pessoas acreditam que escrever um bom texto está relacionado apenas à técnica, mas não é bem assim.

O livro
Ele é dividido em dez capítulos. É como uma caminhada em que vou convidando o leitor para se arriscar a escrever. Não é um manual técnico. É um livro que convida, incita, que tenta mostrar que qualquer um é capaz de construir uma narrativa. E que um texto pode ter papéis diversos na vida de cada um. Tem gente que decide escrever para se reorganizar internamente, outros para fazer as pazes consigo mesmo, com o mundo, com uma história mal resolvida. Tem gente que busca o livro para reencontrar o adolescente que foi, que escrevia poemas e acreditava que podia mudar o mundo.

Pelo Brasil
Já dei cursos em várias capitais, como São Paulo, Rio, Brasília, Porto Alegre, Curitiba e Belo Horizonte. Para o ano que vem, meu desafio é levar isso para mais e mais localidades. Já tenho cursos agendados em Goiânia, Florianópolis, Maceió, Salvador, Teresina e Recife. Por enquanto, os cursos são apenas presenciais. Mas já estou me organizando para lançar uma versão online e chegar onde não consigo. A gama de cursos também tem aumentado e a maneira mais fácil de acessá-los é no meu site, onde mantenho uma agenda sempre atualizada: anaholanda.com.br.

Jornalismo e leitor
Eu sou muito apaixonada pela escrita e pelo jornalismo. Não acho que ele vai morrer ou acabar. Acho que alguns modelos de negócios estão definhando, mas isso não significa que o jornalismo esteja morrendo. Ele vai existir se nós (e me incluo nisso) não ficarmos obcecados apenas por engajamento, curtidas e números enfim. Eles podem ser um parâmetro, mas não podemos nos guiar apenas (ou cegamente) por eles. De novo – e insisto nisso – é preciso enxergar o outro no mesmo nível do olhar. Olhar para o leitor e ver uma pessoa como você. E não apenas como um número, um consumidor. São pessoas. O futuro do jornalismo está, assim, em um olhar mais humanizado, mais próximo, mais sensível. Dessa maneira, as boas histórias surgem quase que espontaneamente. É assim que as relações mais profundas nascem, quando a gente se reconhece. O futuro do jornalismo está em resgatar o olhar, o humano, o sensível. É nisso que eu acredito. 
Sou jornalista há 24 anos. Passei por várias redações, como funcionária ou como freela. Costumo dizer que o jornalismo não me trouxe muitas respostas, mas a escrita afetuosa sim.