A Portela, escola do Grupo Especial campeã do Carnaval carioca 2017, decidiu se organizar para não depender de enredos patrocinados – muitas vezes equivocados e que não oferecem o retorno esperado para a escola ou para os investidores – ou de verbas públicas. Paulo Renato e Vinícius Ximenes tocam o marketing da escola, que tem um departamento organizado há cerca de dois anos. Renato explica que para fazer um Carnaval vencedor, uma escola precisa de pelo menos R$ 10 milhões – sendo que recebe, no máximo, R$ 6 milhões de verbas da Prefeitura (que este ano dará a cada escola apenas R$ 1 milhão), venda de ingressos e da transmissão televisiva (exclusiva da TV Globo). A quadra da escola se tornou, ao longo do tempo, uma fonte de renda importante para a escola conseguir completar o orçamento para realizar seu Carnaval “campeão”. O branding da marca vem sendo feito com a ajuda da Saravah.

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Renato conta que a gestão da Portela era desorganizada até quatro anos atrás, quando assumiu uma nova diretoria – formada por jovens torcedores, publicitários, professores e antropólogos, entre outras pessoas lideradas por Marcos Falcom – e arrumou a casa. De 7ª colocada no ranking da Liesa, foi para a vice-liderança e, se ganhar no ano que vem, assume a liderança. A escola ficou 33 anos sem ganhar um título.

Hoje a quadra promove uma série de eventos – patrocinados por marcas como Antarctica, Extra, Perdigão, Feijão Máximo e Madureira Shopping (este último um importante parceiro que abriu espaço, inclusive, para que a escola tenha uma loja para vender suas fantasias).

O enredo de 2018 não é patrocinado e tem na batuta a carnavalesca Rosa Magalhães. Fala da saga dos judeus perseguidos pela inquisição que imigraram para Pernambuco e posteriormente para os Estados Unidos, fundando o que hoje é Nova York. O enredo aborda principalmente tolerância religiosa, por exemplo, tema tão discutido nos últimos tempos.

Preocupações

Apesar da proximidade da data e do fechamento dos orçamentos dos anunciantes para o ano que vem, nas principais cidades brasileiras ainda há alguma indefinição a respeito dos investimentos das marcas e da organização da festa.

Este ano a Riotur decidiu modificar toda a estrutura do Carnaval de rua no Rio de Janeiro. Nos últimos oito anos, a entidade não administrou diretamente as cotas de patrocínio do Carnaval, mas este ano, sob a batuta de Marcelo Alves, presidente da Riotur na gestão de Marcelo Crivella, disponibilizou 13 cotas de patrocínio (no valor total de R$ 56 milhões) diretamente às marcas interessadas com a intenção de “ampliar os patrocínios privados à festa”, inclusive ao desfile das Escolas de Samba na Sapucaí, para o qual pretende destinar cerca de R$ 19,5 milhões (R$ 6,5 milhões via patrocínios privados e R$ 13 milhões da Prefeitura). O movimento é arrojado e principalmente arriscado, considerando o momento da economia.

Na essência deste movimento está, segundo comenta Débora Tenca, diretora-regional Sudeste da Ampro, o desejo de reduzir o investimento público na festa, mantendo a sua excelência de realização. “Estamos aguardando o processo ser fechado para ter informações sobre os projetos do próximo ano”, comenta.

O primeiro “chamamento público”, realizado em julho, rendeu R$ 8,1 milhões da Ambev, tradicional patrocinadora de muitos carnavais, tanto no Rio quanto de outras cidades. A Dream Factory, parceira do evento há oito anos – no modelo anterior, estabelecido pelo ex-prefeito Eduardo Paes – fez uma oferta em que seria parceira da Riotur na organização durante três anos, no entanto sem injeção direta de verbas e sim com a gestão dos patrocínios, mas sua oferta acabou não sendo aceita. Outra proposta, da Uber, que previa o envolvimento da Lei Rouanet, também não foi aceita, mas pode ser reavaliada num chamamento futuro, que prevê o envolvimento da lei. Um segundo chamamento está em curso, focado ainda em complementar a verba de R$ 13 milhões que a Prefeitura destinará este ano para a Liga das Escolas de Samba (Liesa), cortada pela metade. Uma terceira rodada, voltada para levantar verba para os blocos de rua (nunca antes contemplados), que contempla ainda a exclusividade de venda de produtos no Carnaval de rua, além de infraestrutura de limpeza, está prevista para novembro.

Alves, presidente da Riotur, conta que, apesar do pouco arrecadamento até o momento, está otimista. “É uma mudança e as pessoas não estão acostumadas. A intenção é valorizar o produto Carnaval. Nunca se soube quanto, até aqui, as marcas vinham investindo no Carnaval de rua na cidade, mas o retorno que tiveram sempre foi muito grande. A Prefeitura sozinha investe, todos os anos, R$ 150 milhões na festa. A ideia é captar mais recursos, sim, primeiro para minimizar nossos investimentos, segundo para valorizar o produto. Nossa intenção é arrecadar pelo menos R$ 30 milhões”. Depois da verba arrecadada, será realizada licitação para escolher a empresa de eventos que organizará a festa.

Até este ano, a gestão de Carnaval vinha sendo realizada pela produtora Dream Factory, com o patrocínio principal das marcas Antarctica, Caixa e Olla (P&G). O modelo foi exportado para São Paulo há três anos e está sendo implementado no Distrito Federal e em Belo Horizonte.

Duda Magalhães, sócio da Dream Factory, afirma que a empresa gostaria de ser o ponto de integração entre marcas, poder público e blocos com um projeto nacional. “Não queremos ser organizadores, isso cabe a cada cidade, que provê parte da infraestrutura, mas entramos como parceiros, fazendo gestão de patrocínios e serviços. É o que sabemos fazer, e o modelo que implementamos nos últimos anos vem sendo utilizado por cada vez mais cidades. São Paulo, por exemplo, era um deserto no Carnaval e veja no que se transformou”, comenta.

Insegurança

Rita Fernandes, presidente do bloco Sebastiana e fundadora do tradicional Imprensa que eu Gamo, destaca que há uma insegurança generalizada das marcas, no momento, com relação ao Carnaval de rua no Rio. “O Carnaval de rua do Rio é o melhor do Brasil. A festa como um todo é imensa, injeta R$ 3 bilhões na economia, segundo a FGV. O que incomodou nessa mudança é que a Riotur não convidou os agentes do Carnaval para conversar. O que ocorre agora é que a Prefeitura quer administrar tudo, sendo que não há confiança no poder público por parte das marcas”.

Segundo ela, que busca anualmente o apoio de marcas se valendo das leis do ICMS e do ISS, as empresas estão pedindo mais tempo para decidir e esperam um pronunciamento mais concreto da Prefeitura. “É um risco demorar tanto, porque os blocos precisam de tempo para se organizar, produzir camisetas, operar. Ao mesmo tempo, projetos com leis de incentivo só são fechados até novembro. Corremos o risco de perder os prazos”, argumenta.

Em São Paulo, a gestão do Carnaval de rua deixou o Ministério da Cultura e, a partir de 2018, vai para nas mãos da Prefeitura. A SPTuris, presidida por David Barioni, cuida dos desfiles, e afirma que em 2018 o modelo será semelhante ao desse ano, inspirado no Rio de Janeiro. O órgão oferece estrutura e a Liesa se encarrega de buscar patrocínios.

No Carnaval de rua, que cresceu muito, neste momento há reuniões sendo realizadas com a participação dos blocos e o poder público para avaliar o formato. No início do ano, a Prefeitura publicou no Diário Oficial a decisão de proibir blocos de Carnaval com mais de 20 mil pessoas e vetou a folia em 23 vias da Zona Oeste, como a Avenida Brigadeiro Faria Lima e a Cardeal Arcoverde. Certamente um desafio, considerando que o maior bloco da cidade, Acadêmicos do Baixo Augusta, este ano reuniu 500 mil pessoas.

Alê Youssef, diretor-executivo da Associação Cultural Acadêmicos do Baixo Augusta, lidera uma comissão de blocos, que tem participado de reuniões, buscando o diálogo com a Prefeitura. “Entendemos que a Prefeitura oferece infraestrutura, mas os protagonistas do Carnaval somos nós, foliões e comunidades que os blocos representam. Temos muitas dúvidas em relação a 2018, como o período de cadastramento dos blocos, liberdade de exposição de patrocínios individuais, regras de desfiles e trajetos”.

Em São Paulo, cada bloco se viabiliza com patrocínios individuais. No caso do Acadêmicos do Baixo Augusta, o patrocínio é da Doritos e da Amstel. “Percebemos um crescimento gigantesco do interesse do mercado em relação ao Carnaval de rua em São Paulo, o que prova que nosso modelo é vencedor: livre, democrático – sem abadá, área VIP, privatização do espaço público – e descentralizado – não confinado a circuitos e roteiros específicos. Estamos articulando para que tudo seja bem organizado”, conclui Youssef.

Folião do futuro

O Carnaval de rua baiano é o mais tradicional do país, certamente o melhor organizado e o que conta com a melhor infraestrutura do país. É uma máquina funcional, de gestão azeitada, que a cada ano aprimora o que vem dando certo. Ambev (leia-se Skol), Trident (Mondelez), Air Europa e Itaú vêm marcando presença forte no Carnaval baiano. Marcio Vianna, presidente da Ampro Nordeste, afirma que todo ano há novidades, e as agências – como Agogô, Ivent, Marcativa e Plural – trabalham duro para inovar em um mercado tão disputado. “As marcas vêm procurando utilizar cada vez mais a forma direta, provocando degustações, test drives, experiências. É possível segmentar o público por roteiros, camarotes e blocos trazem sempre temas, cenografia e atrações diferentes e criativas, as ruas ficam inundadas de marcas”, comenta. 

No entanto, até o Carnaval baiano, hoje, enfrenta desafios e busca a renovação. Não só porque vem enfrentando a forte concorrência de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, como porque perde aos poucos a majestade, o tradicional modelo de blocos “com corda”, fechados, cujo passaporte é o famoso Abadá. O modelo vem competindo com o Carnaval livre nas ruas, com blocos chamados “pipoca”, abertos a qualquer folião. Há artistas como Saulo e Daniela Mercury que se apresentam nos blocos ou trios com corda e também em blocos abertos, muitas vezes com patrocínios polpudos como da Caixa, do Banco do Brasil ou do Itaú.

A Saltur, órgão que realiza a gestão do Carnaval de rua de Salvador, se preocupa também com o êxodo de foliões acima de 35 anos. Hoje os maiores foliões estão entre os 18 e 35 anos, e Rodrigo Cavalcanti, responsável pelo marketing da Saltur, afirma que a conquista de “novos foliões” é também foco permanente. Há estudos sobre o comportamento dos foliões na cidade de Salvador, como se movimentam – usando, por exemplo, a ajuda de aplicativos como o Citamobi. “Como o Itaú lança projetos de leitura voltados para crianças, ou a Caixa que se vale dos Poupançudos para falar com os jovens, queremos trabalhar o folião do futuro. Quem sabe gamificando o Carnaval, lhe dando um viés mais tecnológico? Queremos falar com os adolescentes, a garotada que não está ligada no Carnaval”, comenta Cavalcanti.