Olympie, nua, deitada na cama, apoiada em dois travesseiros altos, recebe flores, enviada por um admirador, entregue por uma serviçal. Faz parte do acervo do Museu D’Orsay, leva assinatura de Édouard Manet, mas não tira o sapato de saltos. Christian olha e comenta: “Para a mulher, o sapato é uma extensão do corpo. Para o homem, um objeto”. Christian Louboutin nasceu em Paris, em 7 de janeiro de 1964. Filho único, protegido de suas três irmãs, visitava os museus de sua cidade. Um dia vai ao “falecido” Museu Nacional das Artes da África e Oceania – hoje com seu acervo integrado ao Museu do Quai Branly –, fica profundamente impactado com a imagem de uma mulher de sapato salto alto, fino e afiado – quase uma arma – e registra em sua memória. Uma espécie de objeto de empoderamento e vingança. Nascem seus primeiros modelos. Saltos altíssimos. Às vezes, até mais, mas, na média, 12 cm e 13 cm. Exibindo escandalosa, mas mediocremente, o solado escuro. Faltava alguma coisa.

Observando uma de suas funcionárias que pintava as unhas de vermelho decidiu juntar o salto fino e afiado, quase uma lâmina, ao vermelho sangue do esmalte, e perfurou, magistral e profundamente: sapatos de salto alto e fino, exibindo e escancarando o “troféu do sangue derramado”. Bingo! Nunca mais a história dos calçados femininos seria a mesma. Hoje seus sapatos estão presentes em 51 países através de lojas próprias – 36 – e corners – 200 – nas mais famosas lojas de departamento. Dentre suas clientes tradicionais e rotineiras figuram a escritora Danielle Steel (mais de 600 pares), Caroline de Mônaco, Nicole Kidman, Sarah Jessica Parker, Oprah Winfrey, Madonna e Kate Moss.

E aí veio a batalha final. Ter, além da posse e da autenticidade do solado vermelho, a propriedade. Christian sabia ser impossível tornar-se proprietário de uma cor, mas também sabia que uma boa briga era tudo o que precisava para lhe garantir, não legalmente, mas factualmente, na cabeça e no coração de suas seguidoras, que o verdadeiro salto alto com solado vermelho era, obrigatoriamente, um Louboutin. E foi à luta. Em abril de 2011, ingressa com uma ação contra Yves Saint Laurent. Os advogados de YSL lembram a Christian que os solados vermelhos são usados nos calçados desde sempre, com se fazia, por exemplo, no reinado de Luís XIV, no século 17.

Os célebres retratos do rei sobre os famosos “Talon Rouge”. Quase seis meses depois, vem a sentença da corte de Justiça americana: “na indústria da moda, assim como em outros campos de atuação, a cor possui funções estéticas e ornamentais decisivas para alimentar a salutar e desejada concorrência que só beneficia os consumidores…”. Seis meses mais que suficientes para Christian Louboutin apropriar-se e cravar seu salto fino de solado vermelho na cabeça e no coração de suas clientes, através da descomunal cobertura de mídia que mereceu o processo. No mês passado, Louboutin desce de sua vespa e concede entrevista a André Jankavski, de Dinheiro, na Semana da Moda de Paris, no Grand Palais. Questionado por André sobre o processo de diversificação, responde:

“Eu diversifiquei, mas mantendo o design nos produtos. Todos expressam a mesma coisa: o fortalecimento das mulheres. Quero empoderar cada vez mais as mulheres. Meus produtos refletem os desejos delas. Se não for para refletir esses desejos, eu jamais diversificaria…”. Quase na saída, André pediu a Louboutin sua definição de elegância: “É uma atitude que vem do coração. Não é elegante aquele que está bem vestido. Elegância é um jeito de ser, a forma como uma pessoa se conecta com outra pessoa”. Em todos os demais territórios, a cor vermelha não tem dono. No dos calçados femininos, quando as mulheres trocam passos, levantam e exibem o solado, e preparam-se para golpear, todas as demais pessoas leem Louboutin. E basta!

Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing