O crescimento do comércio eletrônico é uma realidade incontestável. A estimativa global é que o faturamento das empresas que exploram o e-commerce seja de aproximadamente US$ 2,5 trilhões em 2018. No Brasil a previsão é que fique perto dos R$ 60 bilhões, dos quais R$ 38 bilhões no segundo semestre, segundo a Abcomm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico), com tíquete médio de R$ 310,00. 

Os Estados Unidos e a China lideram as operações comercias pela internet com gigantes como a Amazon e Alibaba, respectivamente. Segundo Jack Ma, fundador do Alibaba, 800 milhões de pessoas realizam compras no ambiente virtual e nos próximos 20 anos esse volume chegará a três bilhões.

Comprar sem necessariamente sair de casa está no foco da publicidade. Na edição deste ano do Cannes Lions foi lançada a competição Creative E-commerce, que teve como representante no júri a executiva Andrea Siqueira, diretora de criação da BETC/Havas. O Grand Prix foi concedido para o trabalho Xbox Desing Lab Originals: The Fanchise Model, ação que estimula o empreendedorismo dos consumidores da marca ao permitir que eles personalizem os controles do hardware de games e depois o comercializem. Quanto mais vendas consolidem, aumenta a milhagem de prêmios. O resultado é que o produto da Microsoft cresceu suas vendas em cerca de 350% em um ano. A campanha teve a assinatura da McCann de Londres.

Andrey Suslov/iStock

“Praticamente não existe transação hoje que não seja online. E se a jornada do consumidor for encantadora, bingo! As agências são geradoras de negócios para as marcas. Nosso trabalho vai além da ‘decoração’ de uma campanha. A criatividade é o elemento-chave para pensarmos em novos modelos para os clientes. Millennials não compram carros? Ok! A solução pode estar na criação de um aplicativo que venda uma assinatura de carros. Esse é um case que foi Leão de ouro em Creative E-commerce este ano. É um app, criação da Grey de Nova York para a Volvo”, detalha Andrea.

O avanço do e-commerce diante do comércio físico preocupa as grandes holdings de comunicação. Elas temem que as marcas tradicionais possam ser substituídas por outras fomentadas por grandes redes de varejo online. A Amazon e o Alibaba, por exemplo, vendem produtos sem necessariamente ter uma marca o identificando, como uma commodity. A opção do consumidor por uma marca é preponderante nesse momento. Por isso, como alerta Maurício Salvador, presidente da Abcomm, sem o e-commerce uma marca não vai ter presença significativa no digital.

“E isso é um grande perigo. O e-commerce é uma opção do consumidor. É ele que escolhe o canal que vai comprar, independentemente de a marca estar lá ou não. Caso não encontre a marca, vai comprar no concorrente”, resume o dirigente. Salvador prossegue: Amazon e Alibaba estão transformando o varejo mundial como um tsunami. Já se fala em Retail Apocalipse, ou seja, estima-se que até o ano 2030, cerca de 70% das marcas varejistas que conhecemos hoje não existirão. Fecharão as suas portas por conta de não acompanharem a velocidade das mudanças. Veja o que está sendo feito nos Estados Unidos, grandes redes pedindo concordata e saindo do jogo, lojas físicas vazias.”

Ainda segundo o presidente da Abcomm, os marketplaces já comprovaram sua efetividade para as marcas nos nichos B2B e B2C. “O processo de branding mudou com o digital, redes sociais, smartphones, conteúdo gerado pelo consumidor etc. Daqui para a frente as mudanças serão ainda mais intensas com toda onda de inovação que a inteligência artificial, novos materiais, blockchains, drones e carros autodirigidos trarão”, ele destaca.

A Amazon e o Alibaba já usam a AI como suporte para os shoppers. Siri, da Apple; Alexa, da Amazon; e Cortana, da Microsoft, são assistentes por voz que fazem a interface com os e-commerces dos consumidores exatamente no momento que precisam. Essa integração vai suprir estoques domésticos em tempo real.

“O perigo da Amazon é outro. Ela oferece uma experiência impecável, com delivery rápido e não custa caro. Com um agravante: tem todos os dados do consumidor. Isso é o que a Amazon tem a oferecer para as marcas. A possibilidade de tornar a experiência ainda mais pessoal, com a cara e a personalidade da marca que o cliente está comprando. A experiência da Amazon é maior do que a de um varejo comum. Pesquisas mostram que consumidores gastam mais dinheiro com entretenimento, restaurante e tecnologia do que com roupas e acessórios”, diz Andrea Siqueira.

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Guerra
Para Gustavo Macedo, diretor da iProspect, o e-commerce não se configura como um perigo para as marcas. Para ele, o consumidor é omnichannel e isso significa que a jornada deve ser equivalente em todos os meios de consumo.

“A maioria das marcas não se preocupa com a descrição de seus produtos em e-commerces. Geralmente, os varejistas copiam a descrição do site do fabricante, que será exibida na página do produto ofertado. Esta prática torna a aproximação com o consumidor muito fria, além de não gerar nenhuma diferenciação dos concorrentes. Adaptar o conteúdo descritivo para a audiência é uma ótima forma de persuadir o consumidor e, também, facilitar a compra. No caso das novas tecnologias, alguns comércios eletrônicos já oferecem possibilidades que facilitam a jornada dos usuários no e-commerce, reduzindo o atrito entre o desejo e a compra. Entre eles, a implementação de logins sociais, chatbots, busca por voz e busca por Imagem”, fala Macedo.

Na avaliação de Marcelo Lobianco, CEO da Sapient AG2, o e-commerce não se configura como um perigo para as marcas. “Pelo contrário! Fortalece a presença de marcas e a experiência do consumidor. Também cumpre um papel importante na exposição e comercialização dos produtos e serviços. No ambiente online e offline, a interação com o consumidor deve ser a mais fluida possível, enquanto indústria e varejo se alinham para não ter fricção”, pondera Lobianco, lembrando que gigantes como Amazon e Alibaba vendem marcas conhecidas, mas abrem espaço para startups e novas marcas.

O olhar de Eduardo Lorenzi, copresidente da Publicis Brasil, é otimista. Em sua opinião, uma marca ter o próprio marketplace, mas depende do foco. “Assim como várias outras inovações que surgiram e que ainda vão surgir, o e-commerce traz uma série de desafios, mas também muitas oportunidades para a construção de marca”, coloca Lorenzi.

Cadeia de valor 
Por outro lado, para Gabriel Borges, sócio e vice-presidente de estratégia da Ampfy, e-commerces como a Amazon estão se consolidando nos EUA como buscadores para a tomada de decisão de compra. “Um número cada vez maior de pessoas, em vez de acessar o Google ou mesmo o YouTube para buscar informações sobre um produto, acaba recorrendo à Amazon como primeira e eventualmente única fonte de pesquisa. Um fenômeno que tem o potencial de reconfigurar a cadeia de valor do varejo. Contudo, não enxergo que seja um comportamento de consumo que traz necessariamente ameaças às marcas. Um dos grandes vetores de atração dos consumidores para o e-commerce é a facilidade para comparação de preço. Empresas que não conseguem construir marca e acabam entrando nas guerras de preço com certeza vão sofrer. Marcas que conseguem construir valor na oferta de seus produtos não sofrem.”

Borges também cita a Apple. “Ela entrega um produto geralmente mais caro. Tem distribuição em varejo físico e online através de canais próprios e, também, distribuidores. Contudo, sempre teve uma política consistente de precificação. Outro excelente exemplo é a construção de valor que o Google vem fazendo na batalha das ‘smart speakers’. A Amazon, por ter sido pioneira, detinha praticamente todo esse mercado. As caixas Google Home chegaram depois com um desafio adicional: o boicote da própria Amazon. Contudo, com uma boa estratégia de canais, só no mercado americano, o Google já conseguiu construir quase 20% de share neste mercado. Tudo isso também com varejo físico e online através de canais próprios e distribuidores. O que podemos ver em comum nestes dois exemplos é a estratégia de construção de uma rede distribuição que combina alta capilaridade e precificação integrada. Essa é uma boa referência para as marcas. Faz sentido investir em e-commerce e modelos de marketplace? Sem dúvida que sim. É a única estratégia para o futuro das marcas? Não, muito pelo contrário”, analisa Borges.

Perigo ou realidade? Quem responde é Gabriel Lima, CEO da Enext: “Neste cenário as marcas devem direcionar os esforços para encontrar seus consumidores diretamente através do canal digital, seja pelo próprio e-commerce ou através de alianças estratégicas com os varejistas online. As marcas devem estudar cuidadosamente o comportamento de compra de seus produtos online e os processos logísticos para assegurar uma experiência sem atritos, que esteja alinhada a suas expectativas. As marcas devem ver o e-commerce como um aliado para formar seu posicionamento, para sua construção.”

O executivo da Enext elenca quatro pontos recomendados pela consultoria McKinsey: “a definição clara do papel do e-commerce para a marca, que não pode ser pensada de maneira isolada, e sim integrando de forma ampla os canais e antecipando os potenciais conflitos; criação de ganchos para atrair e reter consumidores online, como uma razão única para comprar o produto online, estratégias de personalização, sortimento exclusivo e mesmo assinaturas; estruturar um plano para ganhar os ativos necessários para vencer nesta arena, com uma execução ágil e de maneira contínua, evitar desperdícios, acompanhar os indicadores certos e escolher corretamente os parceiros com que vai trabalhar; e pensar em um modelo de negócios escalável e com mindset digital, quebrando o paradigma do brand awerness e olhado para indicadores como custo de aquisição, custo de retenção e life time value.”

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Visão
A Amazon está de olho no segmento de publicidade online, cujos líderes são o Google e o Facebook, mas as duas gigantes de mídia combinadas à tecnologia não correm risco com o concorrente, que este ano deve gerar US$ 3,7 bilhões de receitas com a veiculação de conteúdos comerciais. O Google ajuda a Amazon, assim como já fez com o Yahoo e Bing, com a ferramenta DoubleClick. A agência Marketplace Ignition, da holding inglesa WPP, já definiu como desafio comprar espaços publicitários na Amazon por meio da mídia programática, de acordo com o Advertising Age.

“A última divulgação de resultado da Amazon mostrou um crescimento significativo de sua receita publicitária e é algo que aparentemente será priorizado pela empresa nos próximos anos. Essa pode ser uma grande oportunidade para as marcas construírem seu posicionamento digital dentro de marketplaces. Deve-se separar uma parte de sua verba publicitária e mesmo verba de trade para investimento em comunicação nos varejistas online. Todavia, alguns aspectos são importantes de serem ressaltados para este tipo de investimento em comunicação. Primeiro, controlar a experiência, e isso significa que todas estratégias mencionadas anteriormente devem estar resolvidas. Segundo, se preocupar com a qualidade do conteúdo, sejam as imagens, sejam os textos, pois um dos critérios para o marketplace posicionar seus produtos e seus anúncios é a relevância da oferta. Terceiro, controlar o inventario e a operação logística, assegurando a disponibilidade de estoque, bem como o fluxo de fullfilment para não frustrar o consumidor”, explica Lima.

Para a consultoria McKinsey, o panorama estratégico para as marcas deve ser dividido em quatro partes, como resume Lima. A primeira é a definição clara do papel do e-commerce para a marca, que não pode ser pensada de maneira isolada, e sim integrando de forma ampla os canais e antecipando os potenciais conflitos. A segunda é a criação de ganchos para atrair e reter consumidores online, como uma razão única para comprar o produto online, estratégias de personalização, sortimento exclusivo e mesmo assinaturas. Em terceiro, a marca deve estruturar um plano para ganhar os ativos necessários para vencer nesta arena, com uma execução ágil e de maneira contínua, evitar desperdícios, acompanhar os indicadores certos e escolher corretamente os parceiros com que vão trabalhar. A quarta, pensar em um modelo de negócios escalável e com mindset digital, quebrando o paradigma do brand awareness e olhado para indicadores como custo de aquisição, custo de retenção e life time value.

O e-commerce brasileiro evolui mesmo com os problemas logísticos que afetam sua credibilidade. No ano passado, apenas com a Black Friday, o volume de negócios foi de R$ 2,1 bilhões. Este ano os organizadores vão realizar a data promocional que personifica o varejo online no país no dia 23 de novembro. O projeto é benchmark do que já ocorre há anos nos Estados Unidos, um dia após o feriado do Dia de Ação de Graças, sempre na última sexta-feira de novembro. As agências ativam a comunicação dos seus clientes com campanhas específicas para o dia. Além do online, as lojas físicas ficam lotadas e, normalmente, as promoções com a marca Black Friday permanecem além do dia específico.

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