Nesta quinta-feira (27), o Think Eva divulgou o estudo “Compromisso Inegociável” sobre o papel do feminismo na nova dinâmica entre marcas e mulheres.  O documento é o primeiro de uma série de análises produzidas pelo núcleo de inteligência do feminino para ajudar a situar os profissionais de comunicação no cenário de discussão de problemas como machismo e racismo.

O estudo não é uma pesquisa com consumidoras, mas uma análise de materiais com um olhar analítico da Think Eva e cinco especialistas do mercado de marketing e do movimento feminista: Djamila Ribeiro, pesquisadora e mestre em filosofia política; Rosane Borges, pós-doutora em ciências da comunicação; Rafaella Gobara, senior digital manager da Avon; Cindy Gallop, fundadora/CEO da IfWeRanTheWorld e MakeLoveNotPorn e Nádia Leão, especialista de mídia para indústria de beleza.

O documento mostra o feminismo e o marketing através dos tempos como antagonistas, com as reivindicações das mulheres sendo ignoradas ou diminuídas. No entanto, atualmente isso não apenas não é mais tolerado (a internet e as redes sociais tiveram um papel fundamental nisso) como as mulheres rejeitando, denunciando e boicotando marcas que não as respeitam como indivíduos. “O que vivemos hoje é o despertar das empresas para essa virada”, afirma o estudo.

Apesar desse movimento ser intenso, especialmente desde 2015, um ano explosivo para o feminismo no Brasil, com ações como Mulheres contra o Cunha, Marcha das Mulheres Negras, campanhas #PrimeiroAssedio e #MeuAmigoSecreto, por exemplo, ainda há um “campo minado” quando empresas decidem entrar nesse diálogo.

“Vimos algumas marcas de segmentos diversos querendo participar desse movimento fazendo campanhas de empoderamento feminino que tinham um residual pequeno ou nenhum residual. E nós como uma consultoria de inteligência sobre esse assunto vimos uma chance de debate muito importante”, comenta Maíra Liguori, uma das fundadores do Think Eva, que conecta marcas e empresas à realidade das mulheres e nasceu em 2015 do Think Olga.

O relatório afirma que as iniciativas de marca que entendam esse momento das mulheres como uma onda passageira ou tendência, e que não reconheçam a profunda transformação social que elas estão promovendo, acabam desenvolvendo “campanhas oportunistas e discursos superficiais”.

“Com o nosso olhar sobre esse cenário decidimos trazer como a conveniência com a qual o feminismo é tratado pela publicidade, como uma causa que é aceitável, palatável e Girl Power usado como recurso de marketing e linguagem, sendo que estamos falando de temas muito mais profundos e complexos, permeados por violência e opressão histórica. Buscamos trazer de novo essa lupa de seriedade”, explica Maíra.

De acordo com ela, a categoria de beleza tem sido a grande reveladora da transformação desse cenário de marketing, porque as marcas desse segmento estão entendendo esse movimento e buscando ressignificar a comunicação. “Como uma mudança de transformação daqui para o futuro, não só pontual, a Avon, primeira marca brasileira a puxar essa conversa e se posicionar como uma marca feminista, trouxe em 2015 um posicionamento global de ‘a beleza que faz sentido’”, lembra Maíra.

 

Outro exemplo marcante no Brasil é a Skol, com “a retratação de todas as violências que já fizeram contra as mulheres e o compromisso de não voltar a fazer isso”, com ações como o Repôster e comunicações sem estereotipar as mulheres, mas as reconhecendo como consumidoras e não apenas como enfeite. Fora do país, a profissional destaca como exemplos positivos Dove (A real beleza), Always (Like a Girl) e Pantene (NotSorry ShineStrong).

“Temos casos de transformação real, mas muitas marcas querendo participar sem saber como. Não estamos julgando o mérito, mas é difícil conhecer esse universo profundamente para fazer alguma coisa que seja relevante”, diz.

O estudo destaca ainda mulheres executivas que estão liderando transformações dentro de seus segmentos, como Elaine Welteroth, diretora de redação da Teen Vogue americana; Rachel Maia, da Pandora, única CEO negra no Brasil; Neivia Justa, diretora de comunicação Latam da JnJ; Denise Smith, VP de inclusão e diversidade da Apple Internacional e Paula Lindenberg, diretora de marketing da Ambev Brasil.

Além disso, o Think Eva reuniu exemplos de como o tema feminimos chegou forte no mainstream, com as mídias de massa falando disso de diferentes formas, como a campanha Mexeu com uma, mexeu com todas e o programa Amor e Sexo, da Fernanda Lima. “A publicidade tem uma oportunidade de mudança enorme, de se reiventar e ajudar a construir narrativas mais enriquecedoras para as mulheres.”

Todas as conclusões podem ser vistas no site do estudo.

Polêmica recente

Na última terça (25), trechos de uma entrevista de Washington Olivetto, chairman e CCO da WMcCann, à BBC Brasil dividiram opiniões na internet. O publicitário disse que “pensar fora da caixa”, “quebrar paradigmas”, “desconstruir” e “empoderamento feminino” são expressões que ocupam a categoria “clichês constrangedores” criados pela publicidade e pela sociedade. 

O Think Eva criticou a postura de Olivetto. Em sua página no Facebook, a agência de consultoria afirmou que “é uma infeliz coincidência que, na semana de lançamento do nosso estudo #CompromissoInegociável, no qual reforçamos a importância de marcas e empresas em se comprometerem com a causa feminista, uma figura conhecida da publicidade tenha a ousadia de comparar mulheres a automóveis em um grande veículo de comunicação”, escreveu.

PROPMARK entrou em contato com a WMcCann que preferiu não se manifestar sobre o assunto.