O escritor e oncologista Drauzio Varella tem mais tempo na comunicação do que a idade da maioria de quem o acompanha em seu canal no YouTube. São mais de um milhão de inscritos, aliás. Ele começou a falar sobre saúde em 1985 e, de lá para cá, acumula só na TV 20 anos.

Mas o grande salto aconteceu quando abriu, em 2015, um espaço na internet para trazer com irreverência e, às vezes, de maneira ácida e direta suas opiniões para debates como doenças sexualmente transmissíveis ou o uso adulto da maconha, por exemplo. Nessa entrevista, ele fala sobre sua relação com os jovens, fake news e da websérie Drauzio Dichava, produzida pela Uzumaki.

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Tabu
Existe uma demanda reprimida a respeito de informações sobre o uso adulto da maconha. Para a websérie, fizemos um trabalho de pesquisa grande, profundo, mas é necessariamente incompleto porque você não consegue pegar um assunto com tantas facetas e abordagens para discuti-lo num tempo curto. Mas quanto mais você empurra essas coisas para debaixo do tapete é pior. Tem menino fumando maconha achando que é festa. Às vezes, fumam o dia inteiro, se atrapalham na escola, não aventam a hipótese de que é uma dependência química. Têm outros que fumam ocasionalmente. Não podemos tratá-los da mesma forma. A ideia foi armar essa discussão.

Descobertas
O que mais me surpreendeu é que sempre soube que muita gente fuma maconha, mas o número é muito maior do que eu imaginava. Além de ser uma coisa absolutamente disseminada na juventude. E isso tem de ser abordado. Na minha geração, nos anos 1960, quando jovem, 60% das pessoas fumavam no Brasil. Hoje são 10%. O cigarro é uma droga que causa dependência química muito mais avassaladora e conseguimos baixar para 10%. De que maneira? Educação, medidas públicas, os alertas nos maços, proibindo propaganda. Hoje fumamos menos do que nos EUA e em outros países europeus. Isso precisa ser feito com a maconha. Simplesmente impondo como crime não funciona.

Comunicação
Eu tenho contato com meios de comunicação de massa desde 1985, quando comecei na rádio Jovem Pan com vinhetas sobre aids. E aprendi uma coisa nesses anos todos. Quando você vai transmitir uma mensagem tem dois desafios: as pessoas têm de entender. Isso nem sempre é fácil porque sou médico. Não posso perder a precisão, mas preciso encontrar a linguagem. E é preciso falar de acordo com o meio. Se estou falando no YouTube, não dá para falar do mesmo jeito que falo no Fantástico, que tem um público mais plural, com pessoas mais velhas. No digital, são a maioria jovens, então tenho de pensar em temas que interessam e transmitir a informação numa linguagem mais próxima. Isso é um desafio, ninguém nasce sabendo, mas com os anos você vai maturando a técnica.

Influenciador

Não me sinto influencer não. Minha missão não é influenciar, mas informar. Isso é um privilégio para um médico. Nunca foi dado no Brasil uma oportunidade de comunicação como foi dada para mim. Há 20 anos estou na TV. Depois veio a internet que não existia. E tenho essa possibilidade de transmitir informações; isso é um privilégio e  reponsabilidade. Não posso usar isso levianamente.

Juventude
Fui professor de cursinho por muitos anos, além de um dos fundadores do Objetivo. Quando você fala com o jovem, você precisa ser sincero e verdadeiro. Ele é perspicaz. Tem de falar de um jeito que ele entenda que você acredita naquilo que está dizendo. Se você pensa uma coisa e diz apenas para agradar, ele percebe. Eu só falo o que realmente acredito. A discussão precisa ser franca. E nessa nova série foi o que fizemos. Você pode não concordar, mas não dá para dizer que tem malandragem.

Fake news
É o buraco negro da internet. Têm pessoas que inventam teorias e tratamentos, que são contra vacinas, tem gente muito mau-caráter, infelizmente, até médicos. Por outro lado, o Google é uma forma de receber informação boa também. Hoje as pessoas são mais informadas do que eram há 10 anos. Eu sinto isso na pele. Elas chegam no meu consultório muito bem informadas a respeito da doença que têm. Na internet há risco, mas como era antes dela? O balanço é muito positivo.

Responsabilidade
Repassar notícia que nem se sabe de onde vem é muito triste. As pessoas são muito crentes. Acreditam em coisas absurdas, como água oxigenada cura câncer. Goiaba cura câncer. Não tem sentido. Temos de desenvolver uma cultura em que você mesmo cheque as informações que recebe. Vai, entra no site, veja se existe essa informação, cheque referências. Não saia repetindo isso, vá checar. Receber uma informação e sair mandando para todo mundo é uma coisa horrível, mas acontece o tempo todo. E acho pior quando médicos fazem essas coisas. Tinha de ter uma repressão.