Depois de atuar durante cinco anos no Facebook em Paris, de onde saiu em dezembro de 2014 como sales manager, o francês Xavier Lecrerc decidiu viajar pelo mundo durante seis meses para escolher um novo lugar para morar e empreender. Acabou escolhendo o Rio de Janeiro, onde está morando há cerca de quatro anos e hoje é sócio da Mox Digital, empresa que organiza eventos internacionais (e que tem como demais sócios Olivier Mourier e Maria Pidner Boucinhas) para ajudar as empresas brasileiras na transformação digital. Eventos como o .Futuro/Rio, cuja terceira edição será realizada nos dias 5 e 6 de de junho no Rio de Janeiro, com o oportuno tema “Humanidade Aumentada”, reunindo nomes variados como Luli Radfharer (USP), Antoina Harari (Edelman), Marcelo Câmara (Bradesco) e Dora Kaufman (PUC SP).  O objetivo, como diz Leclerc, é fazer com que as pessoas saiam da conferência com uma “opinião informada”, após ouvir pessoas que não são simples “fazedores de espuma”, personagens comuns neste universo da transformação digital.

Confira trechos da conversa com Leclerc.

 Paradoxo brasileiro

Na área de tecnologia, no Brasil, há um paradoxo. O país é muito conectado, mas há ainda muitas oportunidades e espaço para criar novos serviços. Quando descobri esse paradoxo, pensei: será que não valeria a pena investir para acompanhar essa mudança? Porque a mudança vai acontecer, de qualquer jeito.

Experiência digital

Logo que cheguei ao Brasil, como tinha experiência no universo digital, comecei a ser convidado a dar palestras em universidade, espaços de co-working e aceleradoras, e via o ecossistema de nova economia, startups e empreendedorismo, e percebi que havia uma diferença muito grande entre onde as empresas estão e esta nova realidade de empresários, o empreendedor, o homem 2.0. Percebi que havia espaço para criar a nossa conferência .Futuro, que trata de como a tecnologia cria o mundo. O que eu acredito é que tecnologia é ferramenta. As pessoas fazem a diferença, mas muitas vezes as soluções entram pela tecnologia. Não funciona. Mas para entender como tecnologia ajuda, é preciso mergulhar nela. E ao mesmo tempo, se aproximar da realidade que o coração das pessoas oferece. Acreditamos que todas as empresas serão empresas de tecnologia. Amanhã. Isso não significa que todas as empresas serão o Google. Mas significa que a tecnologia não é mais algo tratado pela TI. É para todo mundo.

Opinião informada

Nosso papel é oferecer, no .Futuro, uma visão clara, porque há muita espuma ao redor do tema. Chamamos as pessoas certas para falar e a experiência nos fez perceber quem fala de verdade e quem está tentando se encaixar fazendo espuma. Nosso evento é para executivos de qualquer empresa e qualquer função porque não importa quem você seja, é importante entender o que é uma empresa de tecnologia, apresentando exemplos, soluções, contando uma história – a partir de palestras que se encaixam, numa sequência, que não é por acaso. A curadoria oferece a oportunidade de obter uma opinião informada. O que significa que em alguns anos 80% dos empregos vão acabar? Sem informação adequada isso não quer dizer nada.

A publicidade morreu. Viva a publicidade!

A publicidade não é mais como era antigamente. Veremos uma transformação forte da distribuição dos investimentos publicitários da TV para o digital, especificamente através das possibilidades mais amplas de segmentação das audiências, com vantagens para os veículos que mantiverem a liderança. As dificuldades serão maiores para os veículos menores não segmentados. Dentro do programa da conferência, abordaremos como a tecnologia impactou a relação entre empresas/marcas e as pessoas. Através de novas ferramentas (youtube, whatsapp etc), se criou uma nova linguagem (robôs de atendimento, vídeos, influenciadores etc) que transforma os empregos de marketing, comunicação e publicidade. Para aprofundar o tema, criamos um workshop, no dia 6 de manhã. 

Guerra de conhecimento

EUA e China estão em guerra. E falo de guerra mesmo: roubo de conhecimento, etc. Facebook, Google e Amazon de fato não respeitam a lei de concorrência, mas lutam contra Ali Baba, Tencent, Xiaomi. Há uma briga por dinheiro – entre Facebook e Amazon – e uma briga com uma ditadura extremamente forte. O que escolher? Quem dominar IA e outras tecnologias terá uma vantagem de conhecimento que pode modificar as relações geopolíticas. Não é o estado americano que fará isso. São as empresas de tecnologia.  Brigando ou não.

 Ética

As empresas de tecnologia precisam entender que não são só tecnologia e plataforma. São agentes societais que têm que ter um papel de liderança ética. Precisam entender o que significa ter impacto numa sociedade. Por que há um movimento tão grande contra a Amazon? Porque é uma empresa que teve lucro de 11 bilhões sem pagar impostos, sem falar em outras questões. Vivemos um momento muito interessante, onde muitas mudanças vão ocorrer. Estamos na adolescência e vivemos um período de conscientização sobre o impacto da tecnologia: das pessoas, dos jornalistas, do poder público. 

Tecnologia: modo de usar

Há uma necessidade de fazer a educação informal das pessoas sobre tecnologia. Quem faz isso? Quase ninguém. O uso celular em sala de aula, por exemplo, enquanto o professor fala lá na frente, esta falta de respeito muitas vezes inconsciente, digamos assim, é falta de educação informal sobre o uso da tecnologia. Que é necessária e faz falta. Eu tenho oito sobrinhos de idades variadas e que certamente, como crianças e outros jovens em geral, estão expostos a pornografia, por exemplo. Não se pode deixar crianças sozinhas, expostas a isso, sem abordar o tema. É desse tipo de educação informal que eu falo, que deve ser feita pelos próprios pais. A educação formal existe. O que falta, é a educação informal, desde cedo. Muitas vezes os pais não sabem lidar porque eles próprios não cresceram com essa tecnologia e também não foram ensinados. Isso precisa ser pensado. 

Opiniões & Achismos

Uma das grandes questões, quase filosóficas, que surgem com a chegada da tecnologia. Por causa do modelo democrático, em que cada voto é igual, enxerga-se cada pessoa com peso igual. Só que quando falamos de opinião, isso não é verdadeiro. Minha opinião é melhor que a de outras pessoas sobre alguns assuntos. Porque sou mais informado, tenho mais dados, pesquisei. Minha opinião sobre a saúde de uma pessoa, não vale nada, porque não tenho conhecimento suficiente. Só que hoje em dia, no mundo das redes sociais, as pessoas acreditam que todas as opiniões têm peso igual. Há opiniões ruins, desinformadas, que não valem nada. É complicado afirmar isso e os estudantes se assustam quando afirmo. Quando digo “sua opinião sobre tecnologia não vale a minha”. Eu trabalho nisso, pesquiso, conheço fatos. A opinião sobre uso pessoal, diante da minha, embasada, não vale nada. É simples assim. É complicado enfrentar essa realidade. E é preciso aceitar esta mudança de valores e de realidade: opinião sem dados, é só mais uma opinião. E por isso, dentro do .Futuro temos especialistas com opiniões informadas. Precisamos de menos achismos, e de mais dados.

 Acesse a programação do evento .Futuro Rio