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“René, acorda!”. Cansei de ouvir isso do meu pai quando eu era criança. Ele me via com o olhar perdido, pensativo, imaginando coisas. Sempre fui assim. Acho que a contemplação é importante para chacoalhar a cabeça, deslocar a alma e despertar ideias. E não importa o que esteja ali, na frente. Pode ser um quadro, um filme ou o sol se pondo em qualquer lugar do mundo.

Aos 13 anos, meu pai me deu uma missão: gravar, em VHS, os filmes que eram exibidos de madrugada, na TV, para que ele pudesse assistir depois. Eram clássicos do cinema como O Sol por Testemunha; A Montanha dos Sete Abutres; A Balada do Soldado; Um Dia, Um Gato; e O Homem que queria ser Rei; entre tantos outros.

Eu via e revia as fitas com curiosidade, afinal, eram filmes muito diferentes dos que eu estava acostumado a assistir na Sessão da Tarde. Assistia Glória Feita de Sangue diversas vezes. Três Homens em Conflito e Um Lugar ao Sol estão até hoje na lista dos meus preferidos!
Meu pai, mesmo, nunca sentou para assistir. Mais tarde, deduzi que ele nunca teve essa intenção. O que ele queria mesmo era aproveitar essa minha inclinação para me abrir os olhos para um mundo que, até então, era novo para mim. Com isso, me fazia perceber diferentes formas de ver as coisas.

Não importa se estou no Moma, em NY, vendo a performance ao vivo da Marina Abramovic, ou se estou na Pinacoteca, em São Paulo, olhando as centenárias obras do Almeida Júnior. Eu me perco nos pensamentos. Além de observar as obras e as performances em si, passo um longo tempo imaginando o autor, seus desejos, como chegou àquele resultado. No caso de uma pintura, fico pensando quem eram aquelas pessoas retratadas nas telas, em quanto tempo e quantos esboços foram necessários para chegar à forma final e, por fim, como é que o artista saiu do lugar comum para que, ainda hoje, sua obra faça sentido para nós.

Nos festivais de cinema mundo afora, me deleito com filmes de diferentes cinematografias, que mostram formas muito particulares de se fazer cinema. Assisti a La Jaula de Oro, de Diego Quemada, em Toronto, em 2013, ano em que Faroeste foi exibido também no festival de lá. É um longa interessantíssimo sobre a aventura de três crianças que tentam fugir da Guatemala rumo aos Estados Unidos, atravessando todo o México sozinhas. Depois desse primeiro contato, acompanhei o filme em outros festivais, como os de Estocolmo e Zurique. Além de trocar experiências com o diretor, fui repetidamente às sessões do filme. Cada sessão era uma experiência diferente, como se fosse um filme diferente também. Tanto como diretor quanto como espectador eu via coisas novas. Era muito interessante perceber, também, como até a presença da plateia em diferentes países mudava a percepção do filme – a obra, mesmo pronta, se altera a partir do momento e da perspectiva de quem a vê.

Contemplar uma obra de arte ou a o pôr do sol com suas cores e nuances. Ouvir Elis Regina repetidas vezes ou ficar atento aos ruídos da cidade. Assistir novamente a Cidade de Deus ou à reprise de Curtindo a Vida Adoidado. Percorrer os meandros de uma bela história, seja de um pescador ou um romance de Dostoievski. Perda de tempo? Há quem pense assim. No nosso mundo agitado e imediatista tenho até certa admiração por quem tem uma vida resoluta, que não precisa da contemplação, como eu, para dar sentido às coisas. Mas, para mim, contemplar é alimento, fonte de inspiração. Acho que é nesse estado que estamos realmente acordados. Enquanto isso, fora da arte, o mundo parece estar adormecido.

René Sampaio é sócio da Barry Company e dirigiu inúmeras campanhas publicitárias. No cinema, dirigiu Faroeste Caboclo e na TV foi codiretor de Dupla Identidade