A revista Time escolheu jornalistas mortos, perseguidos e presos, além de um jornal atacado por um atirador como “Pessoa do Ano – os Guardiões” de 2018. Entre os homenageados está o saudita Jamal Khashoggi, do Washington Post, crítico ao governo da Arábia Saudita, morto em outubro, dentro do consulado de seu país, em Istambul. E também Maria Ressa, ex-repórter da CNN nas Filipinas, que abriu o site de notícias Rappler em 2012, com reportagens críticas ao presidente Rodrigo Duterte, e sofreu uma “campanha de assédio legal” por parte do Departamento de Justiça de Duterte. A redação do jornal Capital Gazette, em Annapolis (EUA), também está no prêmio da Time: foi atacada por um homem armado em junho deste ano, que matou quatro jornalistas e uma assistente de vendas. Após o ataque, a edição do dia foi fechada no estacionamento de um shopping.

Nesta edição especial, é possível saber o número recorde de repórteres presos no mundo: são 262 casos segundo o Comitê de Proteção aos Jornalistas. Outra matéria destaca o quanto a má-fé de autoridades passou a classificar como fake news reportagens críticas a governos, com a ajuda da massiva desinformação amplificada nas redes sociais. A repórter brasileira Patrícia Campos Melo, da Folha, também é citada na revista. Violência contra jornalistas não é novidade. Hoje há quase uma banalização dela, de tão frequente. Um novo jeito de acusar os que incomodam é que estão espalhando “fake news”, conforme apontou o dedo de Donald Trump inúmeras vezes. Não por acaso, nos EUA as ameaças ao jornalismo só aumentam. A crise da democracia e a força do autoritarismo no mundo todo – que amplia o poder de algumas poucas pessoas em detrimento do enfraquecimento das instituições – só pioram a relação entre as pessoas e a mídia. Porque sua essência – a busca pela informação – sempre incomodará os inimigos da liberdade.

A mídia costuma levar a culpa por quase tudo. Na dúvida, “a culpa é da mídia” – um clichê gasto, usado por gerações. Somos sobreviventes: lidamos bravamente com a chegada de um novo modelo de negócios, fruto da queda dos investimentos dos anunciantes. A publicidade permitiu boas estruturas, equipes compostas por grandes nomes do jornalismo, amplas tiragens e distribuição. O conteúdo digital afastou leitores do modelo impresso, reduziu performances de campanhas movidas a grandes audiências e levou à revisão as estratégias de muitas marcas, enquanto a necessidade desesperada de sobrevivência levou veículos a demitirem profissionais e reduzirem estruturas. Cabeças rolaram pelo caminho, mas “a mídia” se mantém pulsando. Apoios e doações como alternativas a assinaturas são bem vindos (a exemplo do inglês The Guardian), feitos por quem acredita na importância do bom jornalismo. A busca de um ponto de equilíbrio delicado passa pela competência empreendedora dos grupos de comunicação, a partir da criação de novas fontes de renda baseadas naquilo que eles fazem de melhor: produzir conteúdo e contar boas histórias.

A proliferação de fake news no mundo digital acabou fortalecendo as grandes marcas do jornalismo na terra de ninguém da informação que hoje habitamos. Há luz – e ela aparece, por exemplo, na matéria de balanço de jornais e revistas que fiz esta semana, aqui neste jornal. Gosto do desabafo de Can Dündar, editor-chefe do jornal de centro-esquerda Cumhuriyet, preso em novembro de 2015, acusado de revelar segredos de Estado e publicar histórias que prejudicaram o primeiro ministro Recep Tayyip Erdogan: “Quando me sinto desanimado, vou para a minha biblioteca e leio livros de história. A democracia e a liberdade da imprensa são frágeis, mas no final, prevalecem”.