“Flyflag”. É assim que a Air Canada assina seus anúncios, sempre carregados de entusiasmo patriótico. Mas nadinha de xenofobia. Pelo contrário, se trata de um nacionalismo orgulhoso da diversidade multirracial e multicultural reunida sob a bandeira do Canadá, que inspira a logomarca da empresa.

As campanhas da companhia mostram um país confortável com a sua vocação para o acolhimento de pessoas de todo o mundo e na aceitação das diferenças. Num dos comerciais, o texto estimula os canadenses a reconhecerem que a nação é vitoriosa não só pelo esforço de cada um, mas por aquilo que a constitui: a sua gente. E aí entra uma simpática sequência de jovens com bandeiras pintadas nos rostos, inclusive a do Brasil. Em outro vídeo, o Canadá é tratado como o lar das pessoas que aqui vivem, um lugar onde cada um pode ser o que é, enquanto assistimos a um homem se maquiando.

Enfim, há um permanente entrelaçamento entre a imagem do país e a imagem da Air Canada, que faz questão de abraçar e se associar aos valores nacionais e às melhores atitudes dos cidadãos. Tudo tão sublime e ao mesmo tempo tão simples e verdadeiro que, ainda que seja só propaganda, consegue comover.

Aí, de repente, tenho a minha atenção chamada, via redes sociais, para o comercial de Natal da Perdigão. Confesso que fico sem entender a razão de tanta falta de delicadeza na abordagem de um tema que se pretende também sublime. Por que o tratamento óbvio, literal e, ainda que involuntariamente, discriminatório? O anunciante é importante, a agência uma das expressões mais respeitáveis da nossa criatividade e sempre esmerada nas narrativas, a produtora pródiga em levar ao ar trabalhos de qualidade. Mas, de repente, parece que todos foram acometidos por um apagão no seu potencial de sutileza. E arma-se uma equação de uma lógica perversa: brancos remediados doando comida para negros economicamente inferiores.

Comida, ainda que, em tese, carregada de simbolismo. Mas comida a que, em tese também, essa família de afrodescendentes não teria condições de comprar. E a família “beneficiada” faz seu reconhecimento público à generosidade da família branca, através de um anúncio publicitário. Ou seja, em troca de um “peru” de Natal dá seu testemunho.

Será que perdemos a mão na capacidade de sermos sutis, românticos, sublimes? Será que o excesso de patrulhamento está provocando um efeito inverso nos criativos? Com medo de errar acabam cometendo erros ainda mais primários? Está na hora de voltarmos à essência da criação, revelada em sentimentos genuínos e organizada a partir de um certo conhecimento de causa. Pressinto que tem gente demais dando pitaco nos jobs, com visões estreitas e atitudes covardes. Talvez seja o motivo para as coisas não fluírem como deveriam na conquista de corações, a partir de uma empatia natural.

Exposto atualmente às campanhas da Air Canada, me dei conta de que alguma coisa importante está deixando de ser feita para os brasileiros, através de uma comunicação de marketing menos esquemática e mais sensível por parte das marcas. Um saudável desafio para clientes e agências.

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)