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Como demonstram as estatísticas, 90% dos membros dos conselhos de administração são oriundos das áreas financeiras e legais. Em parte, isso explica por que discussões sobre outras disciplinas – marca, tecnologia, inovação, para citar algumas – se fazem menos presentes nesse colegiado. É comum que esses sejam vistos como assuntos operacionais, responsabilidade dos executivos.

Quando se fala em marca, automaticamente se pensa no nome, na identidade visual e nas ações de comunicação, que visam aumentar o seu reconhecimento ou a promoção de vendas. Ou seja, assuntos da “gestão”, eventualmente, relegados ao departamento de marketing. Todavia, essa é apenas a face mais visível da questão.

A discussão da marca está intimamente ligada à estratégia da organização. Não é um assunto de design, por mais que ele seja importante. É possível construir uma marca sem uma única peça publicitária ou sequer uma logomarca. Naturalmente que, dependendo do segmento de atuação, esses instrumentos têm maior ou menor relevância.

Quando se fala de estratégia, por outro lado, também se costuma confundi-la com o processo de planejamento, que periodicamente passam as organizações. Ele, apesar de fundamental, é o responsável por integrar os fundamentos da estratégia aos seus componentes – objetivos, metas, recursos, riscos, métricas, prazos etc. Quanto maior e mais complexa a organização, maior a necessidade do planejamento. Porém, o planejamento não substitui o direcionamento estratégico, que combina uma visão analítica de fatos e dados, internos e externos à empresa, aos seus traços culturais e aspirações de sócios e dirigentes.

Essa discussão não pode ficar restrita a um cronograma apertado, a um departamento ou a uma parte dos agentes de governança – sejam acionistas, conselheiros e diretores. Muito menos ser delegado a terceiros. É deste debate, muitas vezes acalorado, que surgem alternativas e, posteriormente escolhas. Com as escolhas, se tem também as renúncias.

A marca deve representar as escolhas e renúncias da estratégia em toda cadeia de valor e pontos de contato. A marca é uma tríade: identidade, execução e percepção. A alta administração deve estar particularmente atenta à primeira e à última dimensão. A identidade está relacionada com valores, posicionamento e ícones, e deve ser resguardada de mudanças desnecessárias. A execução representa todo o dinamismo do marketing mix, no dia-a-dia do produto, preço, promoção, distribuição e das decisões corporativas cotidianas. Já a percepção é a resultante que os vários interlocutores farão ao longo dos diversos contatos com a marca, sejam clientes, consumidores, fornecedores, comunidade, colaboradores, etc. Temos assim uma economia experiencial – uma equação de experiências positivas, negativas e dos sentidos a elas atribuídos.

Um caso interessante, pouco conhecido no Brasil, por exemplo, é a Chobani, marca de iogurte americana, fundada por um imigrante turco, nascido numa família pecuarista-leiteira, que se tornou uma corporação bilionária em apenas cinco anos. Ele acreditava que não existia um iogurte bom nos Estados Unidos e tomou a decisão arriscada de comprar, financiada, uma fábrica da Kraft, fechada por maus resultados. Num mercado saturado, sua estratégia foi baseada em oferecer um produto superior, o iogurte perfeito – textura consistente, nutritivo e delicioso. Simples assim. Sem frescura, sem grandes investimentos de marketing, sem embalagens sofisticadas. Seus valores foram ainda ancorados na responsabilidade social e ambiental – 10% de todo seu lucro é doado para causas da comunidade. Seu maior marketing são os próprios consumidores falando maravilhas do produto. A marca é o produto, é a empresa, é seu porta-voz. O fundador acreditava que se o produto fosse pra prateleira e o consumidor provasse, eles ganhariam o jogo. E ganharam: sua história e ações projetaram o iogurte grego pelo mundo e as grandes multinacionais ainda tentam copiá-lo. Esse direcionamento estratégico foi uma escolha muito particular, que não faria sentido, provavelmente, à corporação que ali antes residia.

É impossível dissociar marcas, produtos e serviços das suas organizações. A marca materializa a estratégia e, se bem-sucedida, constrói valor. E o que há de mais importante para a liderança se ocupar?

Cecilia Andreucci é mercadologista, conselheira de administração, mestre em consumo e doutora em comunicação