Esta é uma discussão que tem dominado parte importante do marketing e da publicidade nos países de Primeiro Mundo: a aposta no uso de dados como substitutivo, parcial ou integral, dos fundamentos seculares de sucesso do mercado de consumo. Que são, como se sabe, desenvolver um produto/serviço realmente bom; contar com uma estratégia de marketing inteligente; usar mensagens feitas com talento; e aplicar verbas em mídia de massa no volume suficiente para fazer diferença.

Algumas dessas fórmulas foram (ou são) coisas como o posicionamento, o targeting, a comunicação por conteúdo, as ações de experiência, o marketing de rede, a comunicação viral e, mais recentemente, o uso de dados para definir o que falar, para quem falar, como falar e por qual mídia digital. Essas fórmulas podem ser muito úteis para incrementar as receitas baseadas nos quatro fundamentos básicos, dependendo do momento do mercado, do target, da situação concorrencial e do estágio do ciclo de vida da marca.

O problema é quando se tenta usar uma ou mais delas como uma compensação para a ausência ou deficiência de um ou mais desses fundamentos, com a ilusão de que essa “solução mágica” terá força suficiente para cumprir o dever de casa.

Autores, palestrantes, provedores específicos de serviços dessas soluções têm, evidentemente, todo o interesse em supervalorizar a fórmula à qual estão ligados e não são poucos os anunciantes e publicitários que se apaixonam pela novidade e tentam usá-las quase que a fórceps em suas estratégias e táticas, relaxando no que é realmente essencial.

A última moda é o uso de dados, apresentados como uma revolução da precisão e da eficiência, capazes de gerar resultados como nunca antes na história do mercado. A essência do problema é justamente os tais dados, que são muito difíceis de serem coletados e, mais ainda, trabalhados. Seja porque é complicado levantar dados realmente acurados, o fato de que a dinâmica do mercado ou dos consumidores pode torná-los obsoletos rapidamente, seja porque fazer a “sinapse” das conexões entre eles é tarefa de alta complexidade, que ainda estamos longe de dominar. Pior ainda é quando esses dados são oferecidos por provedores que os obtêm e tratam em “caixas-pretas” em termos de sua origem, propriedade e metodologia de tratamento.

Isso tem ocorrido com uma espantosa frequência por boa parte das novas mídias digitais, pelas chamadas adtechs e agências ou profissionais deficientes nos talentos e competências clássicas, que se propõem trabalhar de modo mais “moderno” e “eficiente”. Uma dramática reflexão sobre a bad trip na qual parte do mercado dos países de Primeiro Mundo está entrando – e que vem chegando em perigosas ondas ao Brasil – está exposta no paper escrito por um professor do MIT, um da Escola de Negócios de Melbourne e um alto executivo do GroupM (a holding de mídia da WPP).

No documento, que pode ser acessado em http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3203131, eles constatam que os profiles oferecidos pelas principais mídias digitais e adtechs são dramaticamente imprecisos em relação a aspectos básicos como gênero (na faixa de quase 60%) e nos atributos definidos (mais de 60%).

E mesmo quando se conclui pela eficiência superior de uma programação, ela custa muito mais que uma campanha feita pelos critérios tradicionais de mídia (184% de ganho contra um custo 238% maior em um caso concreto analisado).

A conclusão é óbvia: muito cuidado com o canto da sereia de soluções baseadas em alta tecnologia, mas sem transparência, que partem de base de dados pouco robustas – como a maioria do que os digital vendors têm oferecido.

Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafael.sampaio@uol.com.br)

 

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