Trocar de carro não é algo que se faz com frequência. A decisão de simplificar a vida me leva, mais uma vez, a viver essa experiência, e confesso que entrei nela com algum entusiasmo. Havia escrito, na semana anterior, uma matéria sobre a experiência como a mais importante ferramenta de marketing das marcas, e estava pronta para gratas surpresas em abordagens de vendas pelo caminho. Ah, as expectativas, sempre elas. Sabedoria mesmo seria abandoná-las. Segundo Osho, isso é aprender a viver.

Pois o que veio a seguir foi o mergulho em um imenso mar sem ondas, desinteressante, impessoal e comoditizado. Visitei quatro concessionárias diferentes, nas quais as condições e tratamento foram tão absolutamente similares que me senti como Bill Murray em Feitiço do tempo. O serviço é tão padronizado que chega mesmo a assustar pela semelhança de comportamento, reações, trejeitos e frases inteiras pronunciadas pelos vendedores. O roteiro repetido à exaustão poderia, pelo menos, ter qualidade. Só que não.

Tudo é extraordinariamente mediano. O mesmo café de máquina insosso, a mesma água em copinho de plástico, pouco ou nenhum entusiasmo no ar. Nada é determinante a ponto de fazer alguma diferença no grande vazio de cada experiência. Nem os produtos oferecidos são tão diferentes entre eles. Um airbag a mais aqui, um a menos ali. Aliás, ganha mais airbags quem paga mais: segurança é para quem pode. Saí das visitas com a estranha sensação de que qualquer decisão seria ok, e nenhuma era excepcionalmente mais sábia do que a outra. Tudo muito mais ou menos.

Depois de vivências tão desanimadoras, o que fazer? Fui buscar na internet dicas e sugestões de “influenciadores” da categoria: blogueiros, jornalistas, profissionais da área que certamente apresentariam visões mais aprofundadas de cada modelo visto. E qual não foi minha surpresa? O mesmo grande nada, vídeo após vídeo. Depoimentos descritivos, vagos, toscos, um “em cima do muro” sem fim, tudo genérico. Socorro! Continuei na bruma da indecisão.
Quando e como essa categoria se tornou tão incrivelmente desinteressante? Lembro-me de experiências anteriores mais compatíveis com as (minhas) expectativas da época. O tempo passou, a tecnologia avançou, o mundo se ampliou em possibilidades, e o fato é que esse microuniverso das concessionárias de automóveis se assemelha hoje àqueles prédios abandonados do filme Blade Runner. A experiência de anacronismo que eu vivi, foi um choque diante da expectativa de experiência disruptiva, numa categoria de produto que deveria oferecer frescor e inovação. Parece o reflexo de uma indústria que sabe que precisa mudar, urgentemente, mas segue tentando mudar é de assunto: desconversar. Não é só a crise econômica que afeta a performance da indústria automobilística: há uma crise de filosofia de vida, de comportamento humano, de visão de mundo em relação ao transporte urbano e à locomoção em grandes cidades.

Há uma profunda discussão relativa ao uso intermitente de combustíveis fósseis. Ou seja, carros poluem, entopem o trânsito, exigem investimentos altos e paciência para a manutenção, e desvalorizam a passos largos no minuto em que deixamos a concessionária. Dentro de um carro, há fortes possibilidades de passar horas engarrafada, ou ainda – especialmente nas grandes cidades – de ser assaltada e sofrer acidentes. Os jovens de hoje não sonham com carros: sonham em viajar e ter os próprios negócios. Tudo parece jogar contra a indústria, e ela segue acomodada, tentando manter as coisas como estão até onde for possível. Uma silenciosa irresolução, talvez fruto da perplexidade diante de tantas transformações, tomou conta
de quem fabrica, de quem revende, de quem anuncia. Meu conselho aos envolvidos é que abandonem, urgentemente, o jogo do avestruz. Por que não colocar esses jovens que não sonham mais com o carro zero para pensar novos caminhos criativos, junto com vocês? Por que não tentar reinventar a experiência de ter um carro, reconhecendo todos os desafios ao redor? O primeiro passo é iniciar uma nova conversa, mais verdadeira, com as pessoas. Quanto ao meu carro, sigo indecisa. Por enquanto, vou de Cabify.