Tamas Rohonyi é conhecido no mercado publicitário por ser um homem duro nas negociações. Com ele, não existe a velha e problemática prática de descontos na tabela de anúncios. Para ele, a justificativa é simples: se detém um produto, cujas marcas não encontrarão em nenhum outro lugar, por que, então, desvalorizar o que tem em mãos? À frente dos patrocínios e de toda a operação do Grande Prêmio de Fórmula 1 no Brasil desde 1980, o húngaro naturalizado brasileiro falou sobre os desafios de equilibrar as despesas e receitas do torneio, audiência e parceria com a TV Globo.

Divulgação

Quais são os principais formatos de propriedade do GP Brasil de F1?

Vendemos basicamente quatro propriedades. A mais simples é a comercialização dos ingressos. A segunda modalidade é a área de entretenimento corporativo, em que as grandes empresas recebem seus clientes, fornecedores e influenciadores de opinião para relacionamento B2B. As empresas convidam seus parceiros para a área de hospitalidade que gerenciamos. Nessa categoria temos Santander, Heineken, Petrobras, Pirelli e empresas com grupos menores, de até 30 convidados. A própria TV Globo recebe mais de 300 convidados, pessoal de agências, outros veículos e clientes. Mas nossa capacidade é limitada. O GP Brasil detém uma das maiores áreas corporativas do negócio global. Atendemos nesse padrão três mil pessoas, isso é muito difícil. A prioridade máxima é vender apenas o que conseguimos entregar.

Como é pensado o planejamento da estrutura do evento?
A capacidade do autódromo de Interlagos não é tão grande. Ele pode receber até 70 mil pessoas, mas na prática a gente não pode vender toda a capacidade porque ele vai estar totalmente lotado, o que não é uma boa prática na organização de eventos. Você precisa ter água, saneamento e transporte coletivo. Já estamos hoje planejando o evento de 2018. É uma operação militar para entender como as pessoas vão se locomover, se alimentar, se vai ter médico, banheiro e segurança. Não é nossa prioridade aumentar o público, mas que quem já comparece tenha mais conforto e informação.

A Heineken assina o naming right este ano. Quais são as outras propriedades que disponibilizam?
A terceira modalidade é a comercialização das placas no autódromo com visibilidade de 140 países. Quem compra esse formato são empresas que têm interesse de mostrar sua marca mundialmente, como Shell, Petrobras, Santander e Heineken, entre outras. Traz visibilidade e uma associação da alta tecnologia com a F-1. Por que a Pirelli fornece seus pneus para o torneio? Isso custa dezenas de milhões de dólares, senão mais, e ainda coloca sua marca nos autódromos? Porque pneu, no fundo, é commodity. Se você que não é especialista olhar quatro marcas, você não vai saber a diferença. De alguma forma você precisa explicar para o consumidor que a sua marca tem algo a mais. E no caso da Pirelli, ela pode colocar uma verdade incontestável: seus pneus são usados na F-1. Para o consumidor isso faz diferença.

E a quarta categoria de propriedades?
Vendemos direitos promocionais. As marcas que desejam criar concursos e promoção usando a F-1 como elemento principal. Heineken, por exemplo, está fazendo uma campanha muito inteligente e diz: Não beba no volante. Divulga isso em bares, faz um concurso para descobrir quais grupos de amigos que sempre levam um que não vai beber e como premiação, os levam ao GP Brasil. Ou então, o Banco do Brasil, que quer dar vantagens para clientes que usarem o cartão de crédito para comprar os ingressos. Eles facilitam o parcelamento, dão descontos, oferecem uma arquibancada específica. Isso funciona muito bem.

Quais formatos são mais buscados pelos anunciantes?
Normalmente, as marcas compram vários direitos juntos. Heineken comprou o naming right, propriedade mais visível e mais importante porque usamos na comunicação o ano todo. Mas comprou também o direito de vender seu produto, a cerveja, em caráter exclusivo. Eles também usam ingressos para fazer promoção, colocam placas. Sempre recomendamos que os clientes venham sem projetos prontos. Uma ideia elaborada por uma agência promocional ou de publicidade nem sempre corresponde ao que podemos fazer. Não somos tão flexíveis. Um campeonato mundial tem as suas regras, mas como a gente tem experiência razoável, conseguimos prever todos os cenários.

Há um departamento criativo interno focado nessas ações?
Nosso grupo é bem pequeno. No escritório central temos 22 funcionários. Metade é de administração, finanças e relações públicas. Nossa equipe de marketing é formada por quatro pessoas, incluindo eu mesmo. Mas todas são muito bem preparadas. O mais bobo tem 20 anos de praça. Conheceu todos os prêmios pelo mundo, conhece nossa história, alguns trabalharam na TV Globo. Como o número de clientes que podemos acomodar não é grande, nosso grupo é quem cria e dá suporte às marcas e isso tem funcionado muito bem.

A maioria das marcas são fora do segmento automotivo, certo?
Exatamente. Temos duas empresas do segmento automobilístico nesse momento: a Renault, que comprou o direito de ser o transporte oficial do GP Brasil, ou seja, todos os veículos de transporte, de apoio, são Renault. Se tiver alguma trombada, acidente qualquer, deslocamentos, usamos carros Renault. E a Pirelli. Ferrari e Mercedes também têm grandes áreas de hospitalidade para seus clientes, mas não fazem ações promocionais em torno do evento.

As vendas de bilheteria e de propriedades de publicidade cobrem todas as despesas do torneio?
A receita do GP Brasil cobre as despesas com a sua organização. Nós somos, inclusive, organizadores esportivos, somos responsáveis por toda a parafernália que você vê no autódromo: fiscais, médicos, sinalização, diretor de prova, centenas de pessoas, tudo sob a nossa responsabilidade. Conseguimos pagar essas despesas, mas nós não conseguimos pagar os direitos para a matriz. Cada país que promove o GP precisa pagar pelos direitos, é o custo do show. Esse valor varia um pouco, de US$ 35 milhões a US$ 50 milhões. A matriz, por algum motivo ainda misterioso, afirma que tudo bem, que vai continuar correndo no Brasil, embora seja deficitário.

A compra da Fórmula 1 pelo grupo Liberty Media alterou de alguma forma o negócio?
Pelo pouco que a gente já sentiu, os americanos têm atitudes diferentes dos ingleses, de alguém que não tem essa ligação emocional que o Bernie Ecclestone (ex-presidente e criador da competição) tem. Principalmente em relação ao Brasil, o Bernie tem uma atitude totalmente diferente. Ele se considera brasileiro, casou-se com uma brasileira, tem propriedades aqui. Ele tem uma ligação muito grande com a família Marinho desde a época do doutor Roberto. Quando os americanos chegaram foi outra história. Quiseram ver os números. Eles vêm agora em novembro, vamos sentar e ver se estão dispostos a continuar bancando o GP Brasil de F-1.

A organização chegou a buscar alternativas? O governo?
Nós levantamos essa questão com o presidente Temer em novembro passado. Ele nos disse que não tinha dinheiro. Sugerimos então que o governo escolhesse algumas empresas e anunciasse sua presença no exterior. Poderíamos fazer alguns pacotes incluindo quatro prêmios lá fora e colocar placas publicitárias do Banco do Brasil, Petrobras, Apex, que é a agência promotora do comércio exterior do Brasil. A gente pensou em criar uma miniexposição nos autódromos. Seria uma compra de mercadoria nossa, uma transação comercial. Foi conversado com o pessoal da Secom, que controla essas verbas, mas até o presente momento isso não andou.

Qual é o perfil de público que acompanha o GP Brasil de F-1?
Há basicamente dois públicos distintos. Tem o que chamamos de ‘petrol head’, ou seja, cabeça de gasolina. São aqueles que acompanham o desenvolvimento tecnológico, conhecem a história de cada piloto e apreciam a tecnologia, que é de longe a melhor que existe. Eles assistem pela TV, que no Brasil são mais de 22 milhões. Dentro desse universo tem um grupo pequeno que quer ver os carros na pista. Esse público é muito fiel. Existe um outro público, tanto para TV quanto no autódromo, que é o torcedor de qualquer coisa. Minha mãe, coitada, assistia todos os prêmios porque gostava do Ayrton Senna. O que ela sabia de F-1? Zero. É o mesmo público que assiste os 100 metros nas Olimpíadas. Já que ouviu falar que o Usain Bolt é um atleta fora de série, se interessa de ver. Que bom que esses caras gostam de F-1 também.

Qual é a representatividade do GP Brasil para o negócio global?
Eu diria que um grande peso. Anualmente a Formula One Group reafirma que para o negócio deles, precisa ter uma importância fundamental: a audiência colhida na TV. E a maior audiência televisiva em termos mundiais das 21 provas é o GP Brasil.

Isso explica, por exemplo, o porquê da parceria histórica com a Globo, que só não transmitiu a prova em 1980, quando os direitos estavam com a Band?
O que se comenta é que a segunda maior propriedade vendida pela TV Globo em termos de volume de receita é a F-1. Eu diria que o GP Brasil sobrevive há tantos anos em função dessa nossa parceria. Ela é fundamental. Fiz uma apresentação há alguns anos na FGV para a pós-graduação em marketing esportivo. Eu disse que não existe marketing esportivo. Existe marketing de produtos esportivos feitos na televisão. Perguntei quem queria ser promotor de um campeonato de squash. A velocidade da bolinha é tanta que não dá para ver. Por isso não é transmitido em TV. Esgrima? Também não. Você só assiste se você entender as regras. Se não serve para TV não vende. É por isso que F-1 no Brasil sempre foi um sucesso, sobrevive há 40 e tantos anos. Se fosse em outra emissora, a gente estava morto há muitos anos.