Há duas semanas, enquanto a Polícia Militar fazia greve no Espírito Santo, o Rio de Janeiro também viveu dias estranhos e ameaças de um possível aquartelamento dos PMs – provocado por protestos nas portas dos quartéis por parte de seus familiares, descontentes com os atrasos de salários. Quem mora no Rio sabe a situação atual: uma combinação pitoresca de um Estado falido, uma Prefeitura se acertando com suas prioridades, os bizarros efeitos das crises econômica e política, basicamente um grande trem fantasma lotado de velhas novidades.

Em meio a boatos sobre paralisação da PM no Rio, me peguei compartilhando no WhatsApp a gravação supostamente feita por um PM que alertava sobre a possibilidade do tal aquartelamento no dia seguinte, uma sexta-feira. Recebi a mensagem de um amigo, perto da meia-noite, e fiquei preocupada, procurando qualquer indício sobre o assunto nos canais de notícias, sem sucesso. Recebi um e-mail da academia de yoga avisando que fecharia até o meio dia devido aos boatos, troquei mensagens com algumas mães de colegas da minha filha comentando que deixariam os filhos em casa por precaução.

Pelo sim, pelo não, decidi, também, deixar minha filha em casa na manhã seguinte. A sexta-feira foi “tranquila”. Uns miniprotestos pingados, polícia nas ruas, pessoas indo e vindo como sempre, o Rio de Janeiro de sempre, e uma pessoa que recebeu meu áudio me acusou de estar promovendo “terrorismo social” e compartilhando materiais de origem duvidosa.

De repente, vi-me bem no epicentro da era da pós-verdade. Tudo começou com a “democratização” da informação, pessoas (qualquer um) produzindo conteúdos, compartilhando dados nas redes, colaborando com rádios de notícias via WhatsApp, com canais de TV. De repente o jornalismo online virou um grande caldeirão amalgamado de informações produzidas pelas mais diversas fontes e até o genial jornal ficcional Sensacionalista teve notícias compartilhadas como verdadeiras mundo afora… Comecei a ver meus colegas demitidos, o conteúdo jornalístico na web desvalorizado, veículos de comunicação desencontrando modelos de negócios e tentando sobreviver num ambiente onde se comoditizou a notícia e se demitiu tanta gente boa a ponto de boas análises jornalísticas virarem raridade… sem falar no “disneylândico” mundo paralelo dos influenciadores, muitos de reputação construída em bases tão sólidas quanto a casca de um ovo.

Penso que perdemos mais do que ganhamos. Mas eis que surge uma luz no fim do túnel: um despertar neste admirável mundo “novo” e a confiança retornando, como o vinil ou uma moda antiga que de repente se torna charmosa e vintage, um novo velho valor pelo qual vale a pena lutar. Google e Facebook buscam mecanismos para detectar notícias falsas, pesquisas comprovam que as pessoas estão, sim, pagando cada vez mais por conteúdo jornalístico confiável na web – no Brasil e no mundo, inclusive o público jovem, quem diria.

Recentemente entrevistando o presidente da ANJ, Marcelo Rech, sua frase “O produto do futuro se chama confiança” me tocou fundo na alma e sacudiu o meu desencanto, renovando algumas convicções “vintage”, como a crença na construção de marcas de valor a partir do trabalho sério, da qualidade, da criatividade, da prática diária da inteligência, do exercício cotidiano do caráter (como ensinou Claudio Abramo). Porque, como disse Gabriel Garcia Márquez, outro mestre, o jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir e humanizar mediante a confrontação descarnada com a realidade.

Claudia Penteado é jornalista e repórter do PROPMARK