No mesmo dia em que a Unilever fez uma profissão de fé absoluta no propósito de suas marcas, a revista Londrina The Economist promoveu um grande debate sobre este foco estar se tornando excessivo e a rede mundial de fast-food do Whooper encantou a plateia do Palais, mostrando a velha e boa publicidade, que diverte, gera valor para a marca e aumenta as vendas.

Com a autoridade de ser um dos maiores anunciantes do mercado em todo o mundo, o CEO da Unilever, Alan Jope, inicialmente alertou para o “woke-washing”, uma espécie de fake news publicitário, quando as empresas fazem campanhas para emocionar e mobilizar suas audiências para causas e problemas sociais e, na verdade, não agem nesse sentido.

Com o protagonismo e cobrança do público com relação a estas causas (de que o Cannes Lions é uma vitrine mundial), o CEO da Unilever vê nesta espécie de modismo, um dos maiores perigos para as marcas em geral: “Woke-washing começa a infectar nossa indústria. Está pondo em perigo todos os esforços de ajudar o mundo a superar seus problemas. E o pior: ameaça destruir a confiança do consumidor em nosso negócio”.

Num lance ousado, desafiou as agências (inclusive as que atendem a Unilever) a recusar briefings de marcas que não cumprem o que prometem em suas campanhas. Garantiu que agências com histórico de trabalhos com falsos propósitos jamais trabalharão para suas marcas.

Para provar que a própria palestra não era uma falsa promessa, Jope mostrou uma série de campanhas de produtos das diversas marcas da Unilever, em vários países, onde este comprometimento fica claro. Mostrou dados para justificar que o compromisso com um propósito socialmente positivo é crítico para o sucesso. Segundo o CEO da Unilever, 64% dos consumidores globais dizem escolher marcas comprometidas com questões sociais; 91% dos millennials trocariam sua marca preferida por outra que abrace uma causa.

O resultado aparece nos números da própria Unilever: suas 28 marcas adotaram o propósito de crescimento sustentável e cresceram 69% mais que a concorrência em 2018.

Era exatamente este o ponto do “Big Debate”, promovido pela revista The Economist, conduzido por sua editora-chefe, Zanny Beddoes, acompanhada por Livia Firth (Eco-Age); Kethleen Hall (Microsoft), Rory Sutherland (Ogilvy) e ToddKaplan (Pepsico). A provocação do painel era questionar se esta fixação em propósitos, causas sociais, comprometimento com o bem-comum, estaria ofuscando o real objetivo das empresas: vender produtos/serviços e gerar lucros. Qual o valor do propósito das marcas e seu impacto nas vendas? E, de verdade, será que os consumidores percebem estas campanhas – propósito como um benefício para o mundo e a sociedade ou consideram uma mera marquetagem?

Em sua apresentação, o CEO da Unilever, Alan Jope, parece que foi alertado para essas perguntas e antecipou as respostas: 64% dos consumidores de todo o mundo dizem que escolhem marcas pelo seu comprometimento e propósito relativo a causas; 91% dos millennials dizem que trocariam sua marca preferida por outra que suporte uma causa relevante; marcas com forte comprometimento com propósitos cresceram a uma taxa duas vezes maior que as outras nos últimos doze anos.

E o que o Burguer King tem a ver com tudo isso?

A apresentação da marca global de fast-food tem sido uma das mais esperadas em edições recentes do Cannes Lions. Que o marketing mundial deste gigante seja dirigido por dois brasileiros (Fernando Machado e Marcelo Pascoa) foi um motivo a mais para não perder esta apresentação. O curioso é que essa palestra aconteceu no mesmo auditório onde, antes, Unilever e The Economist apresentaram o tema do propósito e as pesadas responsabilidades das marcas e anunciantes com os temas sociais.

Fernando e Marcelo subiram ao palco principal do Palais com o nítido propósito de ensinar, entreter e divertir a plateia e conseguiram plenamente. Não só pela bem editada palestra em que apresentaram os 3 pilares do marketing do Burguer King (design, tecnologia e produto), como pelos cases apresentados, que trouxeram de volta ao público de Cannes os bons momentos em que as marcas costumavam nos deixar sorrindo e com vontade de voltar para casa e fazer igual.

Principalmente no caso das já tradicionais provocações da marca em cima do rival McDonald’s. Desta vez, Whooper Detour e Burn that Ad. No primeiro caso, os consumidores tinham que ir a uma loja do rival para desbloquear a promoção e comprar o Whooper por 1 centavo. Na segunda, os consumidores eram instados a “queimar” as peças publicitarias do McDonald’s (usando a técnica da realidade aumentada).

Propósito? Sim, certamente: trolar o concorrente. Era indisfarçável o prazer com que os executivos do BK contavam os cases. A aprovação da audiência do Cannes Lions e os resultados de venda comprovaram que a boa publicidade, que diverte e entretêm, ainda é um propósito que jamais deve ser esquecido por quem quer conquistar o engajamento dos consumidores.

Emmanuel Publio Dias é professor da ESPM e coordenador do Young Lions Brazil (epubliodias@gmail.com).