A Pepsi foi alvo, recentemente, de uma enxurrada de críticas por ter aprovado e colocado no ar um comercial estrelado pela modelo Kendall Jenner e considerado um vexame para a marca.  Junto ao filme, criado internamente, veio um “pito público” do CMO, Brad Jakeman, às agências de publicidade. Nas palavras de Jakeman: a escolha por realizar o trabalho internamente veio da “falta de diversidade” apresentada pelas agências em geral. Ele se disse cansado de ficar “sentado em reuniões nas agências com um monte de homens heterossexuais discutindo sobre como vão vender suas marcas para 85% de mulheres”. No mundo aqui fora, suas palavras acabaram traduzidas como o desejo primordial de economizar no fee.

E também no mundo real, o resultado da escolha de Jakeman foi um comercial repleto de clichês, que simplifica e banaliza movimentos e temas socialmente relevantes e, de maneira rasa e plastificada, tenta “emocionar” os millenials. Artigos, crônicas e matérias em diversas partes do mundo não economizaram críticas: o comercial foi tachado, entre outras coisas, de “o pior comercial já feito”, de “branco querendo ser legal e diversificado”, ou ainda, de “tiozão de boné” diante do público consumidor de Pepsi. A modelo Kendall Jender – a quem foi forçado um protagonismo inverossímil – decidiu não comentar o trabalho em entrevistas. Mordidos e desafiados pelos comentários e escolhas do CMO da Pepsi, publicitários afirmam que o enorme equívoco jamais teria ocorrido se uma agência de publicidade – com sua própria reputação a zelar – tivesse sido envolvida no processo.

“A Pepsi alfinetou o nervo exposto do mundo. Nesse caso, por ser uma equipe do próprio cliente, não teve ninguém pra levantar a mão e dizer que a ideia era ruim. Tipo a história da roupa nova do rei.”, comentou um criativo que preferiu ficar anônimo.

Resumindo: o filme ficou pequeno, muito pequeno, diante das intenções e possibilidades da marca.  Afinal, quem não lembra do brilhantismo de “The choice of a new generation” ou “Generation Next”? O fiasco vem alguns anos depois de outro projeto que visava engajar Pepsi em um movimento socialmente relevante. No “Pepsi Refresh Project”, criado em 2010, o anunciante decidiu destinar algo como 20 milhões de dólares a financiar boas ideias propostas por pessoas comuns que ajudassem a “mudar o mundo”, deixando de investir na veiculação de comerciais no break do SuperBowl. 120 mil ideias e dois anos depois, abandonou o projeto, tirando do ar, sem alarde, o site dedicado a ele. Na sequencia, a marca voltou ao familiar e menos pretencioso terreno da cultura pop com a campanha global “Live for Now”, (com trilha e participação da estrela pop Nicki Minaj), mudança de rumo que teve fundamentos bastante triviais: enquanto a Pepsi tentava mudar o mundo, as vendas caíam e a marca perdia participação de mercado.

A questão é simples: será que todas as marcas precisam mesmo se engajar em movimentos sociais a qualquer preço? Não é fácil falar a voz das ruas sem soar artificial, dissimulado, enganoso.  Sim, é preciso ter valores, ter propósito, mas o discurso colocado no mundo precisa ser aderente ao produto que o profere, ter contexto, fazer sentido. Nos dias de hoje, é fácil desmascarar fingidores.

A maior rival da Pepsi, a Coca-Cola, passou por essa reflexão. Promoveu a paz e a felicidade entre os povos, desviando ao máximo sua atenção do produto em si (afinal, como promover um líquido açucarado e artificial nos dias atuais?). Foi bem sucedida, com mensagens interessantes, comerciais competentes, mas ano passado tomou a decisão de resgatar seu produto principal, e falar dele sem medo de ser feliz. Afinal de contas, um refrigerante é apenas um refrigerante, goste-se ou não. Ele não precisa promover a paz entre os povos ou salvar o planeta. Muitas vezes, ao tentar fazer isso, o que ocorre é que ninguém acredita mesmo.

Na fábula de Hans Christian Andersen sobre a roupa nova do rei, em uma semana o vexame do rei foi esquecido pela população. Resta saber como o rei Pepsi vai se sair no mundo real, diante de um público bem menos devoto.

Claudia Penteado é jornalista e repórter do PROPMARK