Ao participar da Global Marketing Week em Tóquio, em maio deste ano, Sandra Martinelli, presidente executiva da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) recebeu das mãos da World Federation of Advertisers (WFA) um “Guia para a retratação responsável na publicidade: o caso de anúncios não estereotipados”. A publicação é uma espécie de manual para desafiar profissionais de marketing a fugirem dos estereótipos, mostrando casos de sucesso de anunciantes, muitos deles bastante conhecidos. Neste bate-papo, ela discorre sobre a decisão de publicá-lo no Brasil e mergulhar fundo no tema.

Alê Oliveira

 O que motivou você a publicar no Brasil o guia?

A ABA é filiada à Federação Mundial de Anunciantes – WFA, da qual faço parte de seu Comitê Executivo, desde 2015. Por meio de sua rede, a WFA abrange 60 associações nacionais de anunciantes ao redor do mundo, como a ABA, e milhares de marcas representadas por elas.  Em maio deste ano, durante a Global Marketer Week, em Tóquio, da qual participei, o “Guia para Representação Responsável de Gênero na Publicidade” foi lançado. Seu conteúdo me impressionou, pois vai diretamente ao encontro do propósito da nossa entidade, de mobilizar o marketing para transformar os negócios e a sociedade.

E mostra de forma efetiva o quão poderoso pode ser o marketing em torno de uma causa, a partir da coalisão de marcas como Unilever, P&G, Mars, Diageo, J&J e Mattel, todas associadas nossas também no Brasil.

Um pouco antes, no Festival Cannes Lions de 2017, a ONU Mulheres e várias vozes de líderes no setor de publicidade e propaganda, incluindo a WFA, haviam fundado a #Unstereotype Alliance (Aliança sem Estereótipo).

A Aliança reconhece que anunciantes e publicitários têm o poder de influenciar a cultura e a sociedade de forma positiva mediante como as pessoas são retratadas na publicidade e propaganda. A iniciativa nasceu da crença de que precisamos de um propósito inédito, para que o setor quebre os estereótipos nocivos e ultrapassados sobre homens e mulheres e ajude a criar um mundo de possibilidades ilimitadas.

Foi neste contexto de compromisso da WFA com a Aliança, que foi desenvolvido e lançado este guia.

Então, senti que precisávamos agir para ajudar a iniciativa a ganhar tração também no mercado brasileiro, para combater os estereótipos, considerando que a ética e o marketing responsável são pilares fundamentais da atuação da ABA.

Foi um pulo para nosso Comitê Jurídico abraçar essa oportunidade de colaborar para a conscientização sobre essa questão. Este guia visa ilustrar como o setor de publicidade precisa mudar com o tempo em termos de representação de gênero na propaganda. E não é só “algo bom a se fazer”. Existem motivos convincentes sociais e que se baseiam em políticas de por que a indústria de propaganda precisa evoluir.

O tema dos estereótipos não demandou adaptações específicas, pois está presente em todo lugar?

 O #Unstereotype Alliance declarou que “estereótipos estão em todos os lugares, não conseguimos escapar deles. É esse preconceito inconsciente que colocamos nas coisas antes de nos darmos conta, é por isso que podem ser nocivos.” É esse preconceito inconsciente que está na raiz do problema e é por isso que é tão importante tentar abordá-lo. 

O assunto de igualdade de gêneros nunca esteve tão em alta em tantos países ao redor do mundo quanto agora. Iniciativas como #metoo, #timesup e #balancetonporc são sintomáticas de um movimento visando uma igualdade de gêneros maior.

Temos pesquisas globais que demonstram que mulheres ainda são claramente a segunda opção, de formas mais sutis, porém importantes.

No campo do humor, por exemplo, em comparação com mulheres, homens apresentam quase o dobro da probabilidade de serem engraçados; a probabilidade era maior que mulheres fossem objetificadas com uma entre 10 atrizes mostradas em roupas sexualmente reveladoras – seis vezes o número de atores – e quando se trata de inteligência, a probabilidade de homens serem retratados como inteligentes é de 62% (por exemplo: representação de personagens inerentemente inteligentes, como um médico).

Outras medidas sobre idade, localização e trabalho seguiram um padrão semelhante, salientando a onipresença da desigualdade de gênero na publicidade.

Como o guia será usado, de que forma será distribuído, que tipo de papel você gostaria que ele representasse?

O Guia tem por objetivo inspirar os profissionais de marketing a desafiarem suas próprias comunicações. Busca inspirar os gestores a estimular suas equipes para eliminar os estereótipos das campanhas, cobrindo tanto questões que envolvem a retratação da mulher como os que também podem existir na representação de homens em anúncios publicitários. O documento apresenta evidências convincentes de um estudo de viabilidade para anúncios não estereotipados de algumas das marcas líderes globais, bem como dicas práticas para ativar esse movimento, deixa ainda clara as implicações para a inação.  Em última análise, o Guia vai além e estimula, até mesmo, a promoção de mudanças dentro das organizações, incluindo abertura cada vez maior também à diversidade.

A intenção é que ele tenha papel determinante como motor de uma mudança positiva que buscamos em nossa sociedade e que, a partir de suas diretrizes possamos avançar no sentido de futuramente tornar os estereótipos na publicidade em algo do passado. O Guia está à disposição de toda a sociedade gratuitamente e pode ser acessado na íntegra e gratuitamente no Portal ABA (www.aba.com.br). Também estamos distribuindo edições impressas.

O Brasil não aparece retratado no guia (a não ser por uma campanha que aparece no final). Publicá-lo é também o desejo de ver o país mais envolvido nas discussões sobre o tema?

O Guia para Representação Responsável de Gênero na Publicidade é um documento global, bem como a causa que ele deseja impactar positivamente. A iniciativa é uma forma de o marketing endereçar uma questão incidente também no Brasil.

Lançar o documento no país é uma mensagem poderosa para que o mercado brasileiro esteja mais engajado não somente nas discussões sobre o tema, mas na proposição de soluções.

A ABA acredita que a evolução sempre é resultado de uma construção coletiva. Por exemplo, segundo o  report on gender stereotypes in advertising, de 2017, preparado pela Advertising Standards Authority, Depictions, Perceptions and Harm, as atitudes visando objetificação, sexualização e autoimagem corporal em anúncios no Reino Unido são: Atratividade (Os adultos acharam que os anúncios promoviam uma mensagem problemática para a sociedade quando ridicularizavam aqueles que não eram considerados popularmente atraentes. Isto foi frequentemente confundido com uma falta de diversidade nos tipos de pessoas mostradas nos anúncios. Meninas adolescentes notaram que, embora soubessem que as imagens poderiam ser retocadas, a maneira como as mulheres eram retratadas nos anúncios poderia fazer as pessoas se sentirem mal sobre sua própria aparência.); A procura pelo corpo perfeito (Os adultos do Reino Unido acharam que os anúncios costumavam retratar um corpo perfeito ou um tipo de corpo específico. Quanto mais “perfeito” o corpo mostrado em um anúncio, mais os participantes acharam que o anúncio poderia pressionar as pessoas a se sentirem mal sobre si mesmas, e quererem mudar sua própria aparência.); Objetificação e sexualização (Os adultos geralmente tiveram uma reação mais negativa em relação aos anúncios que foram considerados para objetivar ou sexualizar. Eles também acharam que essa abordagem era “antiquada”. Enquanto meninos adolescentes expressavam algum desconforto ao discutir anúncios mostrando homens vestindo poucas roupas em poses sexualizadas, meninas adolescentes foram mais abertamente críticas em relação a anúncios que usavam nudez, achando que isso poderia criar expectativas irreais sobre como as mulheres se comportam e encorajar mulheres jovens a imitar esse comportamento.). 

Claro que abordar os estereótipos de gênero é apenas o primeiro passo. Para seguir em frente, é nossa ambição abordar outras dimensões de identidade também. Os estereótipos de gênero não existem isoladamente, mas estão frequentemente interligados com outros sobre raça, etnia, orientação sexual, capacidade física, classe e educação. 

Eles também fizeram uma pesquisa extensiva e desenvolveram uma forte compreensão sobre como “desestereotipar” – o uso de mensagens que não confinam nenhum dos gêneros ao papel tradicional ou limitado, mas os mostram como progressivos e modernos, autênticos e multidimensionais – pode ter tanto um impacto positivo na sociedade como nos rendimentos da empresa.

O quanto o Brasil já avançou e como a ABA pretende se envolver neste tema ainda mais?

A questão de representação dos gêneros está em evidência no Brasil e tem presença crescente nas conversas em diversos setores da sociedade. Isso representa um avanço, mas ainda há muito o que evoluir neste tema.  Existe um histórico de preconceito de gênero e, em alguns casos, as mulheres não se identificam com o que veem nas propagandas. Hoje, temos um cenário onde os consumidores estão ávidos por marcas com propósito, que coloquem os consumidores realmente no centro das atenções e possam ser coadjuvantes na construção de um Brasil melhor.  E acreditamos que esta expectativa pode ser correspondida, pois a publicidade pode reforçar valores positivos na sociedade, enaltecendo os papeis de homens e mulheres.

Os associados da ABA já estão comprometidos com o marketing responsável e com as regras éticas estabelecidas no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária do CONAR, que determina que toda publicidade deve ser respeitosa, honesta e verdadeira. Entretanto, o Guia é um passo concreto no avanço da ética publicitária. Contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

E a ABA é parte ativa nesse processo à medida que acreditamos que o marketing pode exercer um protagonismo colaborativo nas principais questões da indústria, propondo uma agenda positiva e conduzindo a construção coletiva dos futuros modelos de comunicação e marketing. Essa é a essência do nosso propósito de mobilizar o marketing para transformar.