A escolha de um ponto comercial é uma das missões mais desafiadoras que um profissional enfrenta. 50 metros antes, 50 depois, dependendo de quem são os vizinhos, considerando-se as mãos do trânsito, o que acontece após a escolha, e infinitos outros fatores, assim, um ponto óbvio de sucesso certo pode converter-se num mico em 24 horas. Durante quase quatro anos, como responsável pelo marketing do Itaú, no início dos anos 1970, meu departamento cuidava da escolha dos locais das novas agências. Decorrente do aproveitamento das cartas patentes disponíveis e autorizadas pelo Banco Central, ou liberadas pelos processos de fusão e incorporação de outros bancos, que sempre caracterizou a trajetória do Itaú.

Nos quase quatro anos que permaneci na função no Itaú definimos a localização de mais de 300 agências. Em 10% das escolhas nos deparamos com problemas posteriores. Definida a localização e escolhido o imóvel – comprado ou alugado – e antes de a agência ser inaugurada vinha a prefeitura e mudava o sentido do trânsito na região. Ou começava aquela grande obra que todos esperaram por décadas e finalmente ia ocorrer porque o novo prefeito assim decidiu… E aí o ótimo ponto perdia muito de sua qualidade e a decisão precisava ser imediatamente revista.

Hoje, em outro território e em dimensões descomunais, convivemos com um exemplo mais que importante, referencial e emblemático. O de toda uma cidade que dependia da fama e das supostas realizações de um de seus moradores. Quase todas as famílias da cidade viviam e sobreviviam, economicamente, da enorme movimentação de pessoas. Era uma espécie de cidade-céu, onde morava o milagreiro João de Deus. E aí vieram as denúncias, os escândalos, João de Deus está preso, e a espécie de cidade-céu é hoje o pior dos infernos; para os seus habitantes.

Pior que aquelas velhas cidades do faroeste abandonadas e onde sistematicamente manifestam-se tempestades de areia aumentando em muito a aridez. Nas fotografias das últimas semanas de Abadiânia, a cidade de um fake god, a primeira lembrança que nos ocorre é essa. Isso mesmo, daquelas velhas cidades que apareciam nos filmes de cowboy. Pousadas, lojas e restaurantes em que em muitos dias não entra uma única pessoa. Nas ruas, um solitário cachorro…

O dono abre, senta-se e espera. Assim permanece por oito horas. Depois se levanta, fecha as portas, vai descansar de uma espera infinita. No dia seguinte, a mesma coisa. Nas ruas, vez por outra, o mesmo cachorro. A imprensa foi conferir e muitos dos comerciantes preferiram não se manifestar. Os poucos que o fizeram disseram acreditar que tudo será esclarecido e o movimento voltará. Acreditam em mais um suposto milagre do fake god. Sobre João de Deus, para não incorrerem num suposto crime de ingratidão, a maioria desses moradores diz acreditar que quando João praticava abusos não era ele. Era o demônio que se apossava de seu corpo e da sua mente. Voltando à razão e início deste comentário, quando por qualquer motivo um ponto comercial, institucional, religioso, que existe para atender quantidades expressivas de pessoas desmagnetiza, por quaisquer razões, é praticamente impossível o resgate.

O melhor a fazer sempre é contabilizar o mais rápido possível o prejuízo e buscar alternativas. Abadiânia desmagnetizou. Ou os comerciantes locais importam, inventam, produzem um novo milagreiro ou partem para um outro local onde registre-se a manifestação de primeiros milagres. Em tempos de desesperança e crises, as pessoas sempre se revelam receptivas a essas manifestações.

Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing (famadia@madiamm.com.br)