Fred Pontes

O primeiro passo para estruturar um programa de Compliance na empresa é olhar atentamente para o seu negócio e mapear os riscos. A observação é de Renato Cirne, chief compliance officer da FSB Comunicação, que abriu na última terça-feira (9), no Rio de Janeiro, o evento de lançamento do guia Diretrizes de Compliance desenvolvido pela Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap) e a Fundação Dom Cabral. O encontro – realizado na Casa Firjan em parceria com o Grupo de Mídia do Rio de Janeiro – reuniu especialistas em torno do tema e colocou o dedo em algumas feridas do mercado, como as generalizações em torno da atividade publicitária na época das denúncias relativas ao Mensalão, especialmente no mercado mineiro, e as exigências estapafúrdias de algumas concorrências públicas e privadas praticadas no mercado, das quais muitas vezes as agências se vêem obrigadas participar, sob pena de ficar de fora do jogo empresarial.

Cirne, da FSB, levou seu exemplo para o encontro e contou que a empresa iniciou o processo de desenvolvimento de um programa de Compliance em 2014, e inaugurou oficialmente  uma área dentro do grupo em 2016.

“Em 2017, contratamos uma consultoria para melhorar o projeto e mapeamos 69 riscos diferentes. Como somos fortes na área pública, foi importante compreender o papel do Compliance no nosso negócio e passamos a fazer diligências internamente. Em 2018, implementamos um canal de denúncias, que garante o anonimato. Mas um bom sinalizador de que houve uma mudança de cultura na empresa é que as denúncias tem sido mais abertas do que fechadas”, ele conta.

Outra etapa importante, ele conta, foi o treinamento, tendo como base processos e riscos.

Dudu Godoy, que hoje é vice-presidente de contas públicas do grupo DAN, disse que todo o sistema que envolve o mercado, especialmente na área pública, ficou pesado demais e que, segundo ele, a implementação de uma cultura ética precisa envolver toda a cadeia de empresas e fornecedores, porque de nada adianta apenas algumas poucas empresas – ou só as agências – adotarem as medidas de Compliance.

“Estamos falando de segurança empresarial. A micro relação entre o privado e o público precisa ser repensada. Essa mistura existe culturalmente nas nossas vidas. O processo de virar a chave tem que começar no micro”, disse o executivo, dando o exemplo clássico do uso do aparelho celular tanto para assuntos pessoais quanto para questões profissionais. Em sua opinião, neste pequeno detalhe já residem uma série de problemas.

Fred Pontes

A mudança de cultura interna é fundamental, e mais simples de ser implementada em empresas jovens, criadas mais recentemente. Em sua opinião, o problema, em geral, não são os altos riscos, mas sim os médios e pequenos, dos quais muitas vezes não se tem sequer o conhecimento adequado.

“Esta cultura consciente de riscos e voltada para melhores práticas não tem mais volta. E se não se estender para toda a cadeira de fornecedores, não adianta. Da mesma forma que o cinto de segurança acabou sendo implementado pela multa, em muitos casos a única maneira de implementar novas regras, numa agência, é criando mecanismos que travem determinados processos caso algumas etapas não sejam cumpridas.”, concluiu, dando alguns exemplos de implementação dentro do seu próprio grupo.

Adriana Machado, presidente da Abap Minas e sócia da agência mineira Tom Comunicação, disse que Minas foi, a partir do Mensalão, uma espécie de marco zero da discussão em torno da falta de ética envolvendo a publicidade e as contas públicas, e devido a desvios de pessoas sobre os quais os players sérios do mercado sequer tinham ouvido falar, sofreu enormes perdas de reputação e negócios desde então. E foi obrigado a se reinventar.

“Minas nunca mais atendeu uma conta pública federal sequer, e ainda hoje lidamos com as consequências dos problemas. Tanto que saiu da Abap-MG a ideia de criar um guia de Diretrizes de Compliance, logo apadrinhada pela entidade nacionalmente”, conta Adriana.

Na Abap-MG, ela vem auxiliando pequenas agências do mercado a implementarem seus programas de Compliance.

“Não é preciso ser uma grande agência para implementar um programa de Compliance, eu diria até mesmo que ser pequeno ajuda, porque a liderança está mais próxima, é mais simples de colocar em prática”, observou.

Segundo ela, a entidade está criando um template para que as agências adaptem suas culturas, e também está fechando um convênio com um canal de denúncias anônimas. Outro projeto seu é adaptar para a realidade das agências locais uma Cartilha de Assédio, com base na que foi criada e disponibilizada (no site da Abap Nacional) pela Wunderman. Promover o treinamento nas Diretrizes  de Compliance em regime consorciado e envolvendo toda a cadeia de fornecedores do mercado – como gráficas, produtoras e veículos – também está no seu horizonte de planejamento.

“Estamos numa cadeia, não adianta apenas as agências se adaptarem. Se alguém na cadeia falha, puxa para baixo todo o mercado.”, comentou.

Fred Pontes

Roberto Sagot,  vice-presidente executivo da Fundação Dom Cabral, comentou que o mercado vive um momento de transformação mais silenciosa e por isso mais sério e grave do que todos as anteriores.

“Estamos na era da hipertransparência, e passando por uma revolução digital sem precedentes. Não estamos falando de um conjunto de regras que vão ser colocadas. A mudança depende de uma cultura que incentive a correção, expulsando quem não está a fim. A ética anda de mãos dadas com a economia, e trabalha com os valores do indivíduo. É individualmente que se implementa a cultura do Compliance”, ressaltou.

Ao longo do debate que seguiu as apresentações e foi conduzido por Antônio Jorge Alaby Pinheiro, presidente do Grupo de Mídia, várias questões foram levantadas.

O tema da remuneração das agências – parte da discussão ética devido a processos licitatórios de clientes públicos e privados que obrigam agências a aceitarem acordos financeiros quase inexequíveis – também entrou em pauta.

“O que a vida exige da gente é coragem”, disse Adriana Machado, citando Guimarães Rosa. No seu ponto de vista, as agências precisam trabalhar sua percepção de valor e reconhecê-lo, não topando, evidentemente, determinados acordos de remuneração.

Outro tema que entrou em cena foi o ROI – que em muitos casos parte de premissas que complicam as relações e acordos entre clientes e agências.

“Em muitos casos o ROI não trabalha com a lógica do ver para crer, mas do crer para ver. É a lógica de clientes que querem tornar realidade suas próprias ficções.”, observou Sagot, da Fundação Dom Cabral.

Márcio Borges, vice-presidente da Abap Rio, diz que, no fundo, com a quantidade de premissas que podem ser consideradas, e com a condição de serem premissas variáveis, as avaliações de ROI são sempre na base de alguma crença, pois as premissas são crenças.

“Por isso, concordo com a analogia do Crer para Ver. Para cada premissa que eu mudo, eu mudo a maneira de se avaliar o ROI.”, observou.

Dr. João Luiz Faria Netto, presidente do Conar, que esteve presente ao evento, pediu a palavra para comentar que um dos processos mais antiéticos do mercado hoje vem a ser o de concorrências – tanto públicas como privadas.

“Compliance não é proibição, nem tampouco limitação de criatividade. Compliance é ética. É atuar de acordo com a lei. E é aprender a dizer não”, comentou.

Segundo ele, a lei das licitações precisa ser aprimorada com urgência.

“Penso que devemos incentivar as pessoas das agências a  terem uma posição crítica em tudo o que fazem, para agirem de acordo com a lei e a ética. Não acredito em denúncia, mas na discussão honesta sobre o papel da empresa particular quando atua para o Estado. Temo que o termo Compliance vire moda, como ocorreu com Sustentável, e passe a ser mera ação de marketing. A Abap está agindo muito bem por mostrar o caminho”, concluiu Faria Netto.

Armando Strozenberg, que também esteve na plateia do evento, no Rio, observa que o Compliance deve fazer parte da agência desde quando ela recebe seu alvará de funcionamento. E responder sempre a uma única pergunta: “Isto é correto?”