Alê Oliveira/Divulgação

Agências independentes, jovens e com modelos mais enxutos e inovadores brilharam no Cannes Lions 2019. Inclusive, do Brasil. No topo das mais premiadas, AKQA, David e Wieden+Kennedy estiveram entre as 10 mais premiadas do ano. Uma delas, com apenas dois anos de existência, a Tech and Soul, saiu do festival com sete Leões. É possível reconhecer neste fenômeno – embora outras agências como Grey, Africa e VMLY&R tenham tido excelente desempenho -, a força de empresas que nasceram na era pós-Google e, a partir da independência de formatos mais fechados e tradicionais, conseguem desprendimento criativo para viver de ideia em ideia, em vez de trimestre em trimestre, como diz Anselmo Ramos, sócio da GUT, uma indie por excelência que, embora não tenha tido trabalhos inscritos em Cannes este ano, nasceu da crença de que as agências ‘indies’ são o futuro. 

“Sou completamente suspeito para falar de agências independentes, porque acho que elas sempre foram o futuro. Por mil razões. Uma indie consegue se adaptar rapidamente às mudanças e tem mais liberdade de tentar, de provar, de errar, sem ter de ligar para Nova York antes”, observa Ramos.

Ele, que atuou durante boa parte da sua vida em agências que tinham de “ligar para Nova York”, lembra que, historicamente, agências independentes sempre fizeram o melhor trabalho – citando Fallon McElligott, Chiat Day, Goodby Silverstein & Partners, Wieden+Kennedy, Crispin, Porter+Bogusky, Vegaolmosponce, Mother, Droga5 e Barton Graf, entre outras. “Os clientes mais corajosos do mundo adoram indies”, garante Ramos.

A AKQA, que, embora não seja independente (pertence ao WPP), libertou-se do modelo tradicional de agência ao não comprar mídia, foi a agência do Brasil mais premiada. Tem “alma de indie”, digamos assim, um espírito de agência independente, e conquistou este ano dois GPs em Cannes, além de cinco Leões. Hugo Veiga, diretor-executivo de criação da agência, afirma que agências criadas em anos recentes – entre elas, várias independentes – levam a vantagem de não terem de, nesta altura, perder tempo para se reinventar. “Elas já nasceram modernas e com culturas adaptadas ao novo ecossistema”, diz ele.

A Wieden+Kennedy, que é um fenômeno independente global, além de ter sido a terceira agência mais premiada no Brasil no Cannes Lions 2019, foi a Agência do Ano e também a Agência Independente do Ano – nestes casos, a de Portland. E vem acumulando prêmios, como o recente topo da Ad Age A-List. Com oito escritórios pelo mundo e quase quatro décadas de existência, a W+K compete de igual para igual com as maiores holdings do mundo atendendo clientes como Nike, KFC, Bud Light e Ford.

Karrelle Dixon, diretor-geral da W+K Portland, fala que a primeira coisa revolucionária que a agência fez e explica seu sucesso é jamais ter mudado sua filosofia de apostar no poder da criatividade para resolver problemas. “Esses valores não mudaram desde o primeiro dia: o trabalho sempre vem em primeiro lugar”, ele afirma.

Segundo o executivo, ser independente dá a vantagem de poder focar no trabalho. E o ano foi bom porque a agência conseguiu realizar trabalhos que impactam a cultura e com uma marca com quem tem uma relação longeva – de exatos 37 anos -, a Nike. Dream Crazy, para Nike, campanha estrelada por Colin Kaepernick, foi um dos trabalhos mais premiados não só em Cannes, mas em festivais pelo mundo afora no último ano. Karrelle afirma que a agência não está imune aos desafios da indústria, mas que o comprometimento com o trabalho acima de tudo permitiu impactar a cultura consistentemente, o que contribuiu para que a W+K se destacasse na cena geral. “Tem sido incrível ver como o mundo reagiu ao nosso trabalho este ano”, disse.

Renato Simões, ECD da W+K São Paulo, fala que a força da agência reside numa cultura criativa forte; uma eterna busca por criar mensagens que provoquem, emocionem, questionem padrões e, de alguma forma, entrem na vida das pessoas. “Outra característica é o respeito aos valores humanos, e transborda esse respeito por todos os seus poros”, amplia a linha de raciocínio Eduardo Lima, que divide a posição de ECD com Simões.

Flavio Waiteman, CCO e fundador da Tech and Soul, afirma que comunicação, para funcionar, precisa de fôlego para se expressar. Com um apenas dos seus nove cases ao longo da existência de dois anos, levou sete Leões no Cannes Lions. “O mundo inteligente ama as garagens. Idolatra quem faz por si o caminho mais difícil. Inovação vem do mundo indie”, comenta. Waiteman fala ainda que na agência não se pode pensar no quarter que vem, mas no problema que precisa ser resolvido; no job do dia. “Em festivais, tudo joga contra. Por isso vamos para luta apenas com o job, a qualidade, o trabalho, o craft”, afirma Waiteman. “Para termos mais boas agências independentes precisamos que os clientes sejam mais corajosos, apostando nessas agências. Saindo da escolha segura por agências grandes de rede para agências com autonomia”, acrescentou.

Rodolfo Medina, presidente da Artplan – que este ano trouxe ouro de Cannes e foi a 11ª mais premiada, e a terceira na track Entertainment do Cannes Lions, atrás da W+K Portland e da JohnXHannes NY – fala que a vantagem de não pertencer a grupos internacionais é ter agilidade e autonomia nos processos. “O velho conceito de fail fast está na nossa veia, pois temos uma diversidade de iniciativas”, comenta.

André Kassu, sócio e CCO da CP+B Brasil e jurado brasileiro da categoria Industry Craft, destaca que este ano Cannes premiou a independência mais do que a busca desenfreada por prêmios, e isso é renovador. E ele espera que vire tendência. “De um lado, algumas grandes redes criam sistemas complexos de bônus atrelado a prêmio, monitoramento de inscrições para saber em que categoria adentrar, investimento para produção das melhores peças, treinamento de jurados para saber como influenciar no julgamento. Do outro, agências menores ou independentes apostam no trabalho do dia a dia, na relação estreita com clientes e a preocupação real com efetividade”.

Felipe Simi, sócio e head de creative data da Soko e jurado de Creative Data em Cannes este ano, fala que o modelo tradicional de agência é processualmente tão burocrático que as agências com grandes estruturas precisam criar células separadas para pensar projetos mais criativos. “É interessante porque o mercado vive hoje um paradoxo em que o cliente valoriza, mais do que nunca, agilidade, precisão e criatividade. Mas, ao mesmo tempo, por anos concentrou energia e verba financiando estruturas maiores numa única agência, para que tivesse menos custos. Em certo ponto, as agências independentes, boutiques criativas ou agências pertencentes a grandes grupos, mas que têm modelos alternativos, passaram a ser testadas. E elas focam naquilo que é importante: boas ideias que solucionam criativamente os problemas dos clientes. E se sobressaem criativamente. E cobram por isso”, conclui Simi.