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Remuneração e modelos de relacionamento comercial entre anunciantes, agências de publicidade e veículos de comunicação são temas que vêm sendo debatidos no mundo inteiro, mas ganharam nuances acusatórias nos Estados Unidos com a publicação recente de um relatório investigativo pela ANA (Associação Nacional de Anunciantes).

A entidade contratou uma empresa de serviços de investigação, soluções de compliance e cyber defense, a K2 Intelligence, para realizar uma verdadeira devassa no relacionamento comercial entre agências e veículos, e divulgou um relatório no qual acusa agências de apropriação indevida de verbas de seus clientes ao não repassar descontos nos valores de veiculação. Os chamados “rebates” ou “kickbacks” das empresas de mídia acabam nas receitas das agências. Os descontos têm sido tema de discussões durante anos, bem como os BVs – os Bônus de Veiculação – e outros benefícios dados pelos veículos às agências por adquirirem grandes volumes de espaço. Vale lembrar que, no Brasil, a prática de conceder BVs é considerada legítima e corriqueira no mercado publicitário.

Com base em entrevistas com 150 fontes anônimas, o relatório revelou que os “descontos” são dados às agências muitas vezes em dinheiro, créditos em mídia e outras de maneira mais sutis como o repasse como remuneração pela prestação de algum serviço para o veículo, como pesquisas jamais realizadas. A preocupação dos anunciantes americanos é com dois fatores essenciais: o primeiro por ver seu dinheiro indo para a agência, quando teria ele o direito ao desconto. O segundo fator é a escolha, por parte da agência, de um determinado veículo para um plano de mídia não por sua eficiência, mas pela própria perspectiva de receber este incentivo.

A falta de confiança no relacionamento entre anunciantes, agências e veículos vem se tensionando à medida em que anunciantes reduzem seus fees e sofrem com a crescente sensação de estarem desperdiçando dinheiro. O mundo digital exacerbou essa sensação com a prática fraudulenta que turbina likes e views na web (feita por robôs), por exemplo. A ANA calcula que a prática gerou um prejuízo aos anunciantes nos Estados Unidos com publicidade digital da ordem de US$ 6,3 bilhões no ano passado.

Outras práticas que seriam condenáveis e constam no relatório da K2 são, por exemplo, o direcionamento, por grandes grupos de comunicação, de investimentos de anunciantes para empresas nas quais possuem participação ou mesmo a aquisição de espaços em veículos e revenda para clientes com 90% de reajuste para cima.

Bob Liodice, presidente da ANA, afirma que provavelmente há inúmeras transações feitas não necessariamente tendo os interesses dos anunciantes em primeiro plano. Não houve acusações nominais ou ações legais pós-publicação do relatório. Mas discussões se aprofundam. O ambiente não está harmônico e parece levar a um relacionamento cada vez mais restritivo e tomado por contratos repletos de regras e controle. Uma das iniciativas da ANA é criar um contrato – algo que também está sendo feito no mercado inglês – que inclua compromissos de transparência nas práticas de compra de mídia. A associação também está encaminhando a seus associados uma série de recomendações e guidelines.

“Anunciantes e suas agências se ressentem de transparência nas práticas de gerenciamento de mídia. Essa transparência é fundamental para se construir uma relação de longo prazo como parceiros de negócios”, argumenta Liodice, da ANA. O estudo da K2 foi feito entre outubro de 2015 e maio de 2016. Além das 150 entrevistas realizadas, outras 131 entrevistas foram solicitadas – sendo 61 negadas e 70 nunca retornadas. Cinco das seis maiores holdings de agências do mercado americano negaram participação de seus executivos no levantamento.

Agências
Nancy Hill, presidente da 4 A’s, a associação das agências de publicidade americana, comunicou às associadas que a entidade pretende reunir-se com a ANA para conversar a respeito do relatório. A 4 A’s tem uma crítica básica em relação ao documento: contar, principalmente, entrevistas anônimas, alegações unilaterais e informações infundadas, mas reconhece que há muitas questões a respeito dos processos e práticas de compra de mídia tanto para agências quanto para anunciantes que precisam ser conversadas e discutidas. “Temos que confrontar essas questões”, disse Nancy em uma carta dirigida aos associados da 4A’s.

A entidade estava esperando que a segunda parte do Media Transparency Study completo fosse publicado pela ANA, incluindo a parte chamada Ebiquity, divulgada no último dia 18, para propor uma conversa com a entidade de anunciantes, tema que ela considera hoje sua maior prioridade.