É curioso como por mais que se encontre sujeira debaixo do tapete das grandes empresas do universo tech, a indústria da comunicação segue firme mantendo investimentos e contribuindo para mantê-las entre as mais poderosas do planeta. Não sou poliana, estou ciente de que em muitas ocasiões interesses econômicos se sobrepuseram a deslizes éticos. Mas o que estamos vendo hoje me parece estarrecedor e sem precedentes. Pego como exemplo o Facebook, envolvido em um escândalo de vazamento de dados de mais de 87 milhões de pessoas que teriam ajudado uma consultoria a montar (entre outras coisas) a estratégia de campanha eleitoreira de Donald Trump.Mais recentemente, ficou claro que também o Facebook pagava uma empresa de RP para desacreditar rivais – algo que, aparentemente, tornou-se lugar comum nas disputas de poder no Vale do Silício.

Vivendo uma das maiores crises de imagem, o Facebook viu seu faturamento crescer 50% no primeiro trimestre de 2018, com lucros avançando 63% e, no segundo trimestre, o lucro líquido crescer 31%, e a receita subir 42%. O Facebook segue firme concentrando, junto com o Instagram, pelo menos 87% dos investimentos no formato vídeo nos EUA. É um dos “Big 4”, gigantes do mundo digital que incomodam, ganham críticas, são tema de análises, livros, palestras e debates ao redor do mundo. Mas no final do dia, na hora de aprovar os investimentos em mídia, os principais CMOs do mundo mantém suas estratégias tanto no Facebook quanto nas demais empresas do grupo, pois nelas está a tão ambicionada audiência. As empresas tech concentram o maior “share na mente” das pessoas, como bem definiu um artigo recente na The Economist, que aborda precisamente como as poderosas empresas de tecnologia, tão controversas em suas ações, se expandem mais e mais ocupando o papel de intermediárias nas interações entre as pessoas e o mundo. São elas, as empresas Tech, que formam a fina camada que envolve toda a economia de consumo global. Quanto mais acumulam dados das pessoas, mais as enredam, tornando qualquer possibilidade de escape caro ou trabalhoso demais. Quanto mais evoluem em tecnologias – como inteligência artificial -, mais potentes se tornamem habilidades manipulativas. O artigo é educativo e assustador (seu título é Technology firms are both the friend and the foe of competition – algo como As empresas de tecnologia são tanto as amigas quanto as inimigas da competição) e me parece descortinar essa estranha síndrome de Münchausen que nos faz adorar aqueles que são, na realidade, nossos algozes.

Meu ponto é: como encaixar neste cenário o discurso das empresas e marcas em torno de propósito, confiança e transparência, se na prática ele não se materializa? Me parece uma esquizofrenia crônica, que molda discursos na defesa de relações mais éticas, enquanto vela ações que sustentam modelos nitidamente tóxicos. Por sinal, “Tóxico” foi escolhida a palavra de 2018 pelo Dicionário Oxford: resume o mood do ano, além de ter sido a mais buscada no site neste ano de imensa polarização política e instabilidade de humores, comportamentos, ideologias. Prefiro acreditar que há, neste momento, uma imensa janela de oportunidade para algumas empresas e marcas que, de fato, acreditam que ações são mais relevantes do que palavras e belas ideias exibidas em painéis de alta definição da Times Square. Talvez algumas delas – com seu poder financeiro – ajudem a criar uma cena digital menos tóxica. Ou talvez eu esteja sendo um pouco idílica. Talvez.