Alê Oliveira

Ao reduzir quase a zero a publicidade de governo, o presidente Jair Bolsonaro perde pontos preciosos na batalha da comunicação que trava com os seus opositores, diminuindo inclusive seu cacife de homem público capaz, voltado para as boas causas que alardeou durante a campanha eleitoral.

Há uma profunda reformulação no Estado brasileiro desde a sua posse e, apesar dos inúmeros percalços com os quais se defronta, sofrendo críticas de consideráveis parcelas da população, S.Exa. não se deu conta ainda de que uma boa propaganda oficial, distribuída entre competentes agências da iniciativa privada que atuam em um dos mais importantes mercados da economia mundial, tenderá a favorecer a imagem do governo, convencendo parte da população brasileira sobre os seus acertos.

O Cannes Lions, maior e mais importante festival de publicidade do planeta, uma vez mais em sua edição que acaba de se encerrar, reconhece como de há muito vem ocorrendo a qualidade da propaganda brasileira, em comparação com o produto final desse setor, criado e provado em países de economia ainda mais relevante do que a brasileira.

Ao defendermos o emprego da publicidade pelo governo, não pretendemos que transforme a favor de quem quer que seja. Apenas, imaginamos que um administrador público, principalmente o que ocupa o cargo mais importante do país, não pode abrir mão de uma comunicação qualificada com os diversos setores de atividades que formam os nossos 210 milhões de habitantes do país.

Nenhuma mentira deve ser contada, nada além da verdade. Mas, a longa história já percorrida pela publicidade na maioria dos países de relevância democrática e capitalista a capacita a sanar as eventuais dúvidas do novo governo, que assim poderá fazer uso de forma não apenas tranquila, mas principalmente necessária, desse importante ferramental da comunicação.

Questões que estão em fase de discussão desde a campanha eleitoral poderiam já ter obtido o beneplácito ou até mesmo a discordância maciça da população, se delas tivesse o governo se preocupado em entregar a sua comunicação a profissionais competentes e não a ativistas políticos que o ajudaram a se eleger, mas que não possuem um necessário currículo para elaborar campanhas de comunicação, ou aprová-las (ou não), quando chegam ao Palácio do Planalto, aos ministérios, autarquias e órgãos que competem com a iniciativa privada, mas cujo controle pertence ao governo.

Esvaziar a publicidade de empresas como a Petrobras, por exemplo, não se constitui apenas em um desserviço ao governo, mas também à população, habituada a consumir os produtos que essa marca sempre lhe ofereceu e agora se escondem, enfraquecendo o recall que o mercado possui dos mesmos. Por vias indiretas, afeta ou deixa de ajudar a imagem do próprio governo.

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Encerrado mais um Cannes Lions, trazemos aos nossos leitores nesta edição um noticiário completo de tudo o que ocorreu em mais esta versão do principal festival da comunicação publicitária mundial.

Um ano em Veneza, outro ano em Cannes, o evento surgiu no fim dos emblemáticos anos 1960, quando a economia mundial se reerguia do deblaque provocado pela Segunda Guerra Mundial.

O mesmo deblaque que aniquilou com a Alemanha nazista, atou as mãos do fascismo na Itália e desgraçou o distante império japonês, com bombas atômicas jogadas sobre Hiroshima e Nagasaki, obrigando o império nipônico a se render, para não ver aumentada a desgraça do seu povo, atirado a um conflito mundial do qual saiu infinitamente pior do que ao entrar.

Voltando ao outrora Festival de SAWA – Screen Advertising World Association e retomando a dupla sede da sua realização anual, foi logo no início dos anos 1970 que os seus organizadores tiveram de afastar de forma definitiva a Itália de sediar bienalmente o evento. O motivo vivenciamos com os poucos brasileiros que compareciam ao mesmo: a versão de 1972 em Veneza foi a última em território italiano, pois o país já havia entrado em uma crise política que o pós-guerra só agravou.

Uma greve geral em toda a península fez com que os serviços fossem suspensos em todo o país e quem chegava para o Festival da SAWA em Veneza era obrigado ou a retirar suas malas dos aviões da Alitalia vindos de Roma e Milão, adentrando os porões dos bagageiros dos mesmos, ou a permanecer em espera por longas horas, dada a precariedade desse serviço no aeroporto Marco Polo.

Outra surpresa aguardava os delegados dos diversos países que já apoiavam o Festival da SAWA: ao chegarem em seus hotéis, eram avisados pelo concierge que os quartos estavam desarrumados e sujos, porque igualmente a greve havia paralisado os trabalhadores responsáveis por esses serviços.

O que não dizer então do próprio palácio que abrigaria o evento, com seus funcionários em greve, obrigando os diretores e conselheiros da SAWA a se transvestirem de projetista, eletricistas, faxineiros e tudo o mais em um edifício-sede de um festival que já havia começado a crescer, exigia.

Foi a partir deste ano que a então SAWA escolhe definitivamente Cannes como a única sede do futuro Cannes Lions, ainda realizado em um pequeno palácio da Croisette. Mas era apenas o Festival do Filme Publicitário, sem nenhuma outra categoria.

Com o tempo e com a construção do novo Palais, onde até hoje se realiza o evento mundial, outras categorias foram sendo criadas, desenvolvendo-se de forma exponencial com o advento das mídias digitais.

O PROPMARK, antes Asteriscos, cobre o grandioso evento da publicidade mundial, desde o fim dos anos 1960, testemunhando e relatando aos seus leitores as mudanças de nome e de mãos do famoso festival, além da criação das múltiplas categorias que hoje integram o vasto cardápio do tradicional e já histórico festival.

A presente edição traz para os leitores um relato completo do Cannes Lions 2019, com uma cobertura jornalística realizada por sete profissionais presenciais, além da nossa redação em São Paulo dando suporte a todo esse vastíssimo trabalho de cinco dias seguidos do evento.

Além dessa missão que desde sempre nos cabe como importante órgão do jornalismo especializado, ainda nos propusemos desde há muito de realizar em nosso país, juntamente com a colaboração indispensável do publicitário Emmanuel Publio Dias, a formatação da delegação pátria dos youngs lions, que este ano enviou a Cannes 18 jovens profissionais, patrocinados por diversas empresas e entidades do mercado, que acreditam na força da renovação profissional sempre permanente, em um país como o nosso que se impôs desde há muito como um dos principais participantes e concorrentes do Cannes Lions.

Fica aqui também um reparo à direção do Cannes Lions pela proibição imposta à imprensa de uns anos para cá no sentido de não serem divulgados os vencedores das categorias antes da entrega dos prêmios, o que é absolutamente incompreensível e mais ainda desnecessário, pois assim que os júris entregam suas atas, todos ficam sabendo através do famoso boca a boca que não é uma instituição brasileira, mas mundial, quem ganhou o que.

Apenas a verdadeira imprensa, não os que são jornalistas somente durante o Cannes Lions, tem a sua liberdade de divulgação restrita, sob pena dos seus profissionais serem descredenciados e a partir daí não poderem mais frequentar o Palais e outros locais de eventos da organização do festival.

Uma lástima, que esperamos seja revista em 2020 e para sempre, entendendo seus organizadores que é graças à imprensa especializada em todo o planeta que o festival atingiu as dimensões de hoje.

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Elogiável atitude da direção do SBT, ao homenagear na próxima quinta (26), em sua sede em São Paulo, Paulo Gregoraci, vice-presidente de mídia da WMcCann que deixou recentemente a agência, partindo para um novo segmento de atuação profissional.

Os cumprimentos do PROPMARK à calorosa iniciativa e ao profissional homenageado, um exemplo duradouro de capacitação e lealdade.

Armando Ferrentini é publisher e diretor-presidente do PROPMARK (aferrentini@editorareferencia.com.br).