Aproveitei a calmaria do início de ano para finalmente experimentar o sorvete da Ben & Jerry’s, na sua bombada loja da rua Oscar Freire, em São Paulo. Acompanhei com bastante atenção a inauguração dessa primeira unidade brasileira.

A Unilever, que é a responsável por trazer a marca ao Brasil, conseguiu bloquear o trânsito e fechar três quarteirões da Oscar Freire para fazer uma ação de grande impacto para o lançamento do produto e da unidade. E a ação já demonstrou a “história” que a marca quer passar ao público: foco na responsabilidade social e na atuação para um mundo melhor para todos.

Se você entrar no site da marca e pesquisar os valores da empresa verá: “Ben & Jerry´s opera em uma missão de três partes que visa a criação de prosperidade compartilhada a todos que estão ligados ao nosso negócio: fornecedores, funcionários, os agricultores, os franqueados, clientes e vizinhos da mesma forma”. As lojas da Oscar Freire costumam ser flagships, uma vitrine para marcas descoladas.

A unidade da Ben & Jerry’s não demonstra ter essa intenção. Apesar de super concorrida, a sorveteria tem instalações convencionais, com uma simplicidade que parece estudada para ser assim mesmo, bacana, mas sem afetação. No “quintal” da casa, mesas e pufes proporcionam um ambiente agradável e descontraído para quem quer curtir o sorvete ali mesmo. Uma atitude simpática é a oferta gratuita de água potável para os clientes.

Mensagens impressas nas paredes e funcionários simpáticos e educados completam a atmosfera. Uma Kombi velha, que pode ser usada como sofá pelos clientes, é o único elemento mais pretencioso. Enfim, o que me leva a escrever este artigo é muito mais a coerência entre discurso e prática da marca. É isso que parece fazer a diferença e atrair um público disposto a ficar numa fila que se estende pela calçada.

Até porque o sorvete, em si, é bom, mas nada que justifique esse frisson todo. É uma boa e bem contada história, em cada ponto de contato com o consumidor. A exemplo da Ben & Jerry’s, há empresas que estabecem conceitos e posicionamentos que dão boas histórias e garantem seu sucesso.

Já abordei esse tema em artigos anteriores, citando alguns outros exemplos. Um dos cases mais exuberantes é o da rede de fast food Chipotle que, ao prometer só comprar produtos de fornecedores que respeitam os animais e que comprovem ser socialmente responsáveis, se diferencia. E, desse posicionamento, constrói a sua história e levanta uma bandeira para um mundo melhor. Os sanduíches da Chipotle não são necessariamente mais saborosos que os da concorrência, mas a rede é a que mais cresce nos EUA.

O ponto, portanto, que eu queria destacar mais uma vez é: quantas e quantas boas histórias são desprezadas ou subutilizadas nas empresas… Não só esses cases exemplares de campanhas carregadas de storytelling que ganham prêmios em festivais merecem atenção. Me refiro também às histórias do dia a dia. Repito aqui o questionamento que já fiz em artigo anterior.

Quem, nas empresas ou nas suas agências, está “caçando” as boas histórias para trazê-las à tona de forma adequada e impactante? O mercado, atento às tendências, já oferece opções de novas funções alinhadas com esse fenômeno. Uma delas é a de Gestor de Conteúdo.

Alguém dedicado especificamente à identificação, documentação e aproveitamento de fatos relevantes nas empresas. Se você ainda não se preocupa com isso, pense duas vezes.

Não é necessário ter uma grande campanha no radar para contar boas histórias. Posts em redes sociais, cases bem trabalhados, apresentados a clientes e prospects, e até relatórios menos frios, carregados de histórias. Tudo isso tem grande valor. Mas, lembre-se, uma boa história vem na esteira de um posicionamento consistente e, principalmente, da verdade.

Tentar se apropriar, de forma indébita, de uma história que não reflete a sua realidade é um tiro no pé. Há sempre um público atento às atitudes e às manifestações das empresas. Ao flagrar incoerências, a reação é imediata e põe por terra toda uma estratégia. Pois bem, a história de 2015 está começando a ser escrita.

E a sua história em 2015?

*Diretor de marketing do WTC