As margens de lucro diminuem e a necessidade de produção e ganho em escala aumenta. Mas como dar conta de consumir na quantidade e na velocidade que se impõem para atender a tentativa de equilíbrio do sistema? O único jeito é comprando mais do que precisamos, o que, aliás, tem exigido cada vez menos esforço. Não por acaso, hoje precisamos cada vez menos levantar a bunda do sofá para consumir.

As vantagens das compras online se tornam dia a dia mais incrivelmente atrativas. Minha mulher acaba de encomendar para mim um belíssimo par de tênis de R$ 520 por R$ 199. Mais barato do que nos Estados Unidos, sede da marca. Aliás, foi lá que ela encontrou na semana passada uma barbada para adquirir um produto de seu interesse. E teve uma surpresa na hora de fechar a compra: podia levar mais uma unidade, com 50% de desconto sobre a barbada!

Teve um impulso de aproveitar, mas foi iluminada por um questionamento: eu preciso de mais um? E não levou. Mesmo assim, a vendedora disse: “mas guarde a nota, porque você tem uma semana para decidir”. É isso mesmo: há uma necessidade desesperada de fazer girar a mercadoria.

Afinal, tem um monte de gente, nos recantos mais sórdidos do mundo, produzindo também desesperadamente para, ao trabalhar muito acima do razoável, ter também o seu ganho de escala no salário, o único possível.

Como dar conta de tamanha “dispersão” no atendimento ao lucro? Usando o máximo da tecnologia para ganhar velocidade e alcance de potenciais de consumo, em busca de escala, escala, escala. Programadores trabalham a todo vapor para criar arranjos de algoritmos cada vez mais eficientes na captação de oportunidades e no despejo de atratividades. Sim, os profissionais de TI são os atuais “salvadores da pátria” para uma duvidosa sustentabilidade do mercado.

São eles que estão encarregados de domar e condicionar a inteligência artificial para o enfrentamento com a inteligência natural, na função de quebrar suas resistências e cooptá-la para o consumo. O curioso é que essa corrida desenfreada que beira à irracionalidade convive com um dos momentos mais rigorosos de cobrança ética das marcas.

O que nos induz a perguntar: o que há de verdade nas exigências de padrões de compliance que se tornaram uma necessidade nas empresas? Qual é a filosofia embutida nesse regramento? O que se pretende a longo prazo?

É curioso o cuidado atribuído ao detalhamento, à miudeza, nos manuais de compliance. É tudo bastante objetivo, racional, diria burocrático. Certamente, essas medidas, uma vez aplicadas, vão tornar os ambientes de negócios mais saudáveis, do ponto de vista de questões objetivas, como não roubar, não trapacear, não corromper, não assediar… Mas e sobre o que estamos fazendo do ponto de vista da sustentabilidade? É suficiente ou acaba mascarando um mal maior?

Acho que a reflexão cabe muito bem num momento em que a imagem das marcas – antes um ativo arraigado à sua história – passa a necessitar de muletas para não desabar, diante da equação cruel que a remuneração do capital passou a exigir.

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)