A onda de comunicação por conteúdo – ou de seus equivalentes brand content, native advertising e outros – não pode ser pensada, concebida e realizada como se fosse um mecanismo de comunicação à parte, que não atenda aos conceitos básicos de relevância para os consumidores e pertinência para a marca anunciante, oriundos da publicidade; que não siga a deontologia editorial de ser verdadeira, honesta, interessante e respeitosa a seus públicos, que são os fundamentos da informação jornalística, da disseminação do conhecimento, da prestação de serviços ou do entretenimento editorial.

Não é uma atividade nova e foi utilizada inúmeras vezes como fundamento ou ação complementar na criação e consolidação de importantes marcas e produtos. Basta lembrar dos famosos Guias Michelin, cuja publicação foi iniciada em 1900 e subsiste com grande sucesso até hoje, de forma multimídia. Ou do comercial da Chiquita Banana dos anos de 1940, que se transformou em música cantada pela Carmen Miranda e no próprio nome da corporação (hoje controlada pelo Grupo Safra e a Cutrale).

A comunicação por conteúdo passou por grande crescimento nas últimas décadas com a expansão do digital, a busca quase insana de todos por novidades e o desespero de muitos veículos de gerar faturamento substituto à queda das receitas de publicidade.

Também tem sido utilizada de forma geralmente equivocada, infelizmente, como uma alternativa à publicidade, como uma tentativa de economizar verba de mídia e de fazer comunicação desrespeitando os parâmetros tanto da publicidade como da atividade editorial.

Nesses casos, não dá certo de imediato, pois a ação da comunicação de conteúdo é tão inócua que nem mesmo é percebida com a escala capaz de fazer alguma diferença efetiva na história da marca ou, ainda pior, o consumidor sente de forma clara que está sendo vítima de uma tentativa de enganá-lo e a rejeita de plano. Ou seja, se transforma em uma historinha sem consequências ou, ainda pior, em uma historinha enganosa e mal-intencionada.

Nos casos em que há honestidade de princípios de seu uso e se fazem os investimentos adequados, os maiores erros na sua utilização derivam do não atendimento às melhores práticas das duas áreas, ao se fazer peças e até campanha sem significado real para os consumidores, medíocres em termos de criação e produção, que abusam dos truques baratos dos exageros e das chamadas distorcidas e de duplo sentido.

A comunicação por conteúdo precisa ser feita com os mesmos parâmetros que fazem tanto a publicidade como a comunicação editorial serem dois dos pilares que sustentam a livre iniciativa, a democracia, as liberdades em geral e a evolução sustentável das pessoas e das suas atividades sociais e comerciais.

Em termos práticos, a comunicação por conteúdo deve ser feita idealmente pelos próprios veículos de comunicação, que entendem tanto dos seus públicos leitores, espectadores e “navegadores”, como dos princípios deontológicos de sua atividade e, não menos importante, dominam os formatos desse gênero de comunicação que realmente dão certo. Mas esse trabalho tem de ser acompanhado muito de perto pela agência, que cuida do conjunto das expressões da marca, e pela equipe do anunciante, responsável por sua gestão.

Qualquer versão diferente desse modelo magistral levará à redução da possibilidade de se fazer projetos de conteúdo realmente eficientes em termos de comunicação com os consumidores, que sejam válidos e rentáveis para os veículos utilizados e sejam eficazes em termos de cumprimentos dos objetivos estratégicos e táticos dos anunciantes.

Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafael.sampaio@uol.com.br)

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