Uma das palestras do recente evento que se realizou em Austin, Texas, o SXSW 2017, foi sobre como as “filterbulbs” afetaram as eleições americanas. “Filterbulbs” são o resultado dos algoritmos das redes sociais que determinam as prioridades que os integrantes dessas redes verão. Geralmente de uma forma enviesada, pelo fato de que as pessoas aceitam e propagam inverdades. Ou seja: mentiras, pós-verdades, incorreções, tendem a se multiplicar e se fortalecer em redes sociais à medida que as pessoas acreditam nelas, comentam, aprovam, discutem, de forma que os algoritmos das redes entendem que aquele assunto é importante para aquele público e multiplicam ainda mais seu alcance, formando a “filterbulb”.

Steve El-Sharawy, especialista mundial em Facebook, que esteve no SXSW 2017, disse que o Facebook é a maior plataforma para a propagação de mentira e, para piorar, estudos científicos provam que mesmo antes da evidência dos fatos, as pessoas falham em fazer a correta revisão daqueles (fatos) que contrariam suas crenças. O tema é antigo, já estudado em Stanford e Harvard e foi mais uma vez relatado em pela premiada jornalista Elizabeth Kolbert, em recente artigo do New Yorker (Why facts don’t change our minds – Porque os fatos não mudam nossa opinião).

Isso explica o que aconteceu no Brasil (e mais fortemente nas redes sociais), após a deflagração da Operação Carne Fraca. Nossa psicopatia social conseguiu multiplicar em muitos pontos os efeitos da “filterbulb”. Mesmo antes de qualquer investigação conclusiva, mesmo sem sequer ler o conteúdo das denúncias, a opinião pública condenou um importantíssimo setor econômico como culpado de, no mínimo, oferecer comida inadequada a todos os brasileiros (e não-brasileiros).

Claro que todo desvio tem de ser investigado e todo crime, punido. Mas, entre punir responsáveis por desvios e crimes e dizer que não se pode mais confiar em toda a produção de empresas do setor de alimentação vai uma distância além do razoável. Se o padrão fosse carne estragada, adulterada, será que as autoridades médicas e sanitárias do mundo todo já não teriam percebido? Nossas exportações teriam sido aprovadas nos rigorosíssimos processos de inspeção de países ultraexigentes na questão qualidade e saúde? Os efeitos deletérios dessa carne podre já não estariam produzindo resultados na saúde pública?

Memes, piadas, posts e textões indignados, editoriais e artigos nos jornais e blogs povoaram todas plataformas de mídia, na certeza de que estávamos sendo envenenados e ultrajados em (mais) uma conspiração antipovo brasileiro. A mesma conspiração da mídia, da classe política, do STF, do INSS, dos bancos, dos empresários, das lideranças sociais e institucionais, dos corruptos, todos unidos contra nós, os brasileiros honestos e apolíticos. Não sobra nada em pé nesta visão apocalíptica que a opinião pública tem de seu país. Sobram os militares, sempre lembrados no juízo final, mas como contra eles também há igual dose de rejeição, não sobra ninguém.

De volta às cavernas!

No ultimo dia 19, o governo reagiu rapidamente como um comunicador inteligente e eficiente: as falas do presidente e do ministro Blairo Maggi, a reunião com ministros, embaixadores e o churrasco oferecido no final foram definitivos para restaurar (alguma) sanidade ao debate. Antes disso, o povo, na sua sabedoria intrínseca e alheio às “filterbulbs”, comprou como sempre sua carne para o churrasco de sábado. E lotou as churrascarias no domingo. Mas o preço do carvão subiu… Eu não disse: tá tudo errado!

Emmanuel Publio Dias é coordenador do Young Lions Brazil