Em O poder do encantamento, José Galló resume suas mais de três décadas de experiência em empresas varejistas e, principalmente, narra a trajetória de sucesso da Renner, que comanda desde 1991 e saiu de uma rede gaúcha com oito lojas, valendo menos de US$ 1 milhão, para uma organização com centenas de pontos pelo Brasil, com valor de US$ 6 bilhões (em maio de 2017), indicada pela Interbrand como a 13ª marca mais valiosa do país (2016), que desde 2005 se transformou na primeira corporate do Brasil (ou seja, uma organização sem um acionista controlador, com capital totalmente atomizado).

Em 15 capítulos, a narrativa desdobra-se nos vários aspectos da história e na análise das razões de sucesso da operação em suas três fases de vida nesse período. Um dos capítulos é dedicado ao papel da comunicação e propaganda e é justamente o que destaco nesta coluna.

A grande lição que se depreende de sua leitura é a reconfirmação prática de um conceito conhecido há décadas pelos principais anunciantes e publicitários ao redor do mundo, mas que pouca vezes é aplicado com a clareza e disciplina que Galló imprimiu na Renner: é a consistência estratégica que assegura sucesso a longo prazo.

No texto são relatadas as principais decisões do reposicionamento da marca, em 1992, e como seus fundamentos se mantêm até o presente, com as mudanças necessárias nos formatos e mídias, mas sem se desviar do público-alvo definido como central (mulheres de 18 a 39 anos, das classes A-, B e C+), do estilo das mensagens e da insistência em trabalhar os valores que sustentam a narrativa publicitária, como a ênfase de que a Renner oferece produtos para os principais estilos de vida de seu target, a preços acessíveis e em ambientes organizados de forma a oferecer a experiência de compra ágil e prazerosa, suportados por serviço eficiente e gentil por parte do staff de loja.

Como Galló escreve: “nosso objetivo passou a ser o de estabelecer com essa mulher uma relação de intimidade e cumplicidade – e deste propósito não nos afastaríamos, em hipótese alguma”.

Adiante, ele enfatiza a importância de manter a consistência estratégica definida, explicando que desde meados dos anos 1990 “diariamente rezamos o Pai-Nosso das Lojas Renner, de maneira a ‘não cairmos na tentação’ de nos desviarmos de nossa proposição de valor, inclusive na propaganda”.

Galló destaca também o trabalho da agência que cuida da marca desde seu reposicionamento até hoje, a Paim Comunicação – mas sem deixar de mencionar que a conta manteve o mesmo rumo quando foi atendida por outra agência, a Escala, de 2005 a 2009.

Na análise do autor outro ponto se destaca, que é o emprego de mensagens, especialmente na televisão, com elevado teor de emoção e alta qualidade de produção, que “só entraram para a história da Renner porque passaram pelo coração das consumidoras”.

Mais à frente ele enfatiza: “não me canso de repetir que a comunicação da Lojas Renner cumpre um papel estratégico altamente relevante em nosso planejamento”.

Ou seja, há alguns aspectos que foram essenciais na história de sucesso da Renner e que se pode elencar: levar a comunicação a sério, dando-lhe papel estratégico na gestão da organização; envolvimento da alta direção nessa área; manter relações de longo prazo com a agência designada para cuidar da marca; assegurar presença constante na mídia de massa; não perder de vista o target; atualizar a forma das mensagens, mas manter a essência de seu conteúdo – tudo isso costurado de modo consistente pela estratégia definida.

Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafael.sampaio@uol.com.br)