A publicidade que envolve redes sociais e influenciadores vive, no Brasil, momento de inflexão em que deve tentar atravessar o atual estágio de maturidade, de acordo com avaliação de players do mercado. Embora diversas agências e anunciantes do país já estejam trabalhando de maneira séria com influenciadores, o nível ainda é considerado intermediário, como atestam diversas opiniões e casos como o de Júlio Cocielo, que, após um tweet em que disse que o jogador Mbappé poderia “fazer uns arrastão [sic] top na praia”, e a revelação de frases antigas em que também demonstrava racismo, perdeu apoio de patrocinadores antigos ou novos como Adidas, Coca-Cola, Embratur, Itaú e Submarino.

Mas há bons sinais de que o mercado está disposto a dar o próximo passo para evoluir e escapar de situações como essa. A criatividade e a estratégia começam a suplantar a visão de influencer apenas como uma mídia para atingir milhões de seguidores. Nesse sentido, alguns projetos já começam a se destacar. A AlmapBBDO conquistou três Leões no Festival de Cannes na categoria Social & Influencer, nova área dedicada a ações de redes sociais e com influenciadores. A conta da agência incluiu uma prata e um bronze para Neymarless Sponsorship, para Gol Linhas Aéreas, e um de bronze para #WTFRonaldo, para Snickers, campanhas que tiveram a participação do diretor de arte Henrique Del Lama e do redator Fernando Duarte. Foram os únicos prêmios brasileiros, que também emplacou shortlists com ações da Africa e J. Walter Thompson. “Acho que não existe tendência mais forte em comunicação hoje em dia do que o marketing de influenciadores. Como toda novidade, você pode simplesmente seguir ou entender, estudar e realmente usar a seu favor. Quem olha para os influencers e enxerga apenas os números pode acabar se perdendo num grande mar de seguidores. Ao passo que, quem enxerga essa tendência como uma oportunidade de fazer diferente, ganha uma poderosa ferramenta de comunicação”, afirma Bruno Prósperi, diretor-executivo de criação da AlmapBBDO.

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Para o profissional, muitas marcas ainda acreditam que usar influenciadores seja a ideia por si só. Mas, na verdade, a estratégia precisa ser encarada como mais uma maneira de deixar a ideia da campanha ainda mais interessante e próxima do consumidor. “As marcas vão entender que, ao escolher se comunicar utilizando influenciadores, você está se comunicando em uma via de mão dupla, então os conteúdos vão ser mais interessantes e relevantes do que nunca, para gerar conversas de qualidade nas mídias sociais. Por outro lado, vamos ter mais influenciadores em mais mídias diferentes que vão acabar virando apenas mais marcações em um grande Excel. Vamos ver cada vez mais os merchans do século 21, que não acontecem na TV, mas em contas pessoais. Porém, de qualquer jeito, as melhores ideias vão continuar falando mais alto. Isso nunca muda”, resume.

Parças
As campanhas brasileiras premiadas em Cannes foram pensadas não apenas no uso das celebridades, Neymar e Ronaldo, como meros canais, mas pela característica da comunicação deles nesses ambientes e por sua aderência com a estratégia maior. “No caso do Neymar, enquanto a televisão e outras mídias exploravam o factoide de que a Gol poupou o jogador para deixar ele treinar, era nas redes sociais que o consumidor tinha a comprovação disso, ao acompanhá-lo treinando. Boa parte das peças e da estratégia da campanha foi construída com base em social. É lá que descobrimos os “parças” do Neymar, os memes sobre a geração de recém-nascidos chamados Neymar e assim por diante. Ao estudar tudo isso, temos mais insumos para criar campanhas que realmente se conectam com as pessoas, pois mostram que a marca também está lá, rindo das mesmas piadas e memes que elas”, diz Prosperi. A ação com Ronaldo envolvia um vídeo em que Ronaldo “torcia” para a Argentina, como forma de trabalhar o conceito Você fica confuso quando está com fome.

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A ideia mais criativa de Social & Influencer, vencedora do primeiro Grand Prix da categoria, foi a campanha da Wieden+Kennedy inglesa para Nike, Nothing Beats a Londoner, uma forma de reconectar a marca com o público da cidade de Londres. Um filme de três minutos mostra diferentes cidadãos enfrentando seus desafios diários. Influenciadores como os esportistas Mo Fara e Harry Kane aparecem no comercial e usaram sua presença digital para ajudar a espalhar a mensagem e gerar engajamento da marca com as pessoas.

“Um dos fatores críticos no processo de julgamento foi que a ideia de marketing tivesse obrigatoriamente atividade com uma pessoa, provocando mudança e lidando com problemas reais de negócios. Social é sobre pessoas. Os elementos de marketing que colocamos no mundo não são aquilo que interessa, mas sim o que as pessoas fazem com aquilo. Essa, hoje, é a forma como a cultura se constrói, e isso é incrível”, afirmou Mark D’Arcy, CCO do Facebook Creative Shop.

Além dos três Leões, a Almap teve mais um shortlist com a campanha WTF Ronaldo. Também estiveram na lista as campanhas Coca-Cola Fan Feat, da J. Walter Thompson para Coca-Cola, e #MyGameMyName, da Africa para Vivo/Wonder Women Tech, esta uma ação com gamers. “O objetivo era promover mudanças importantes dentro da indústria de jogos eletrônicos, onde 94% das mulheres que jogam já sofreram algum tipo de assédio. Isso faz com que elas se escondam em nicks masculinos. Fomos atrás dos maiores influenciadores de gamers e os convidamos a jogar com nick de mulher e sentirem na pele o que elas sofrem. Todos foram assediados”, relembra Monique Lima, diretora de projetos especiais da Africa. A ação foi revelada depois nos canais dos próprios influenciadores, que exigiram mais respeito dos gamers. Em um segundo momento, gamers mulheres contaram suas experiências de assédio.

“Essa é a grande diferença de uma campanha que apenas usa o influenciador para vender ou trazer awareness para uma marca. Aqui, eles foram os protagonistas, expondo o problema e até propondo a solução. É preciso verdade e estratégia na escolha dos influencers, com uso de storytelling e inteligência. E não apenas para exposição da marca, com um simples post”, reflete a publicitária.

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A expectativa é que os cases premiados em Cannes possam inspirar o mercado nos próximos meses e levar a conversa sobre a evolução do marketing de influência adiante. “Algumas agências e anunciantes já estão trabalhando de uma maneira bem interessante e séria com influenciadores. Mas, sim, muita gente ainda vê influenciador como mídia, se preocupando primeiramente com o número de seguidores. Inclusive, existem clientes no mercado que contratam influenciadores diretamente, sem ter uma estratégia digital bem definida e, o pior, sem se atentar a detalhes importantes, como histórico de publicações do influenciador, tipo de conteúdo que desenvolve, se mantém relacionamento duradouro com alguma marca, como se comporta em público”, afirma Marcello Droopy, diretor de criação e interatividade da Talent Marcel. 

Uma das ações recentes da agência de marketing de influenciadores envolveu um merchandising na novela O Outro Lado do Paraíso, da Globo, para Claro. O cabeleireiro Nick trocou de operadora, e criou seu perfil próprio e fictício no Instagram, recebendo milhares de seguidores em poucos dias e transformando o espaço em um canal direto com o consumidor. “Os influenciadores ainda são um fenômeno recente e caberá cada vez mais às agências entenderem como, e se, eles se adequam à estratégia digital desenhada para o cliente. Já existem muitos influenciadores que levam a sério suas carreiras, empresas profissionais no segmento e até ferramentas tecnológicas de monitoramento que ajudam no desenho de uma estratégia que os envolve. Mas algumas empresas correm para fechar logo com um influenciador, quase como se fosse mais uma meta do plano de marketing”, analisa Droopy.

 

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