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Na badalada agência fictícia Sterling Cooper, situada no coração de Nova York, a publicidade americana vivia seus tempos áureos. Em meio às transformações sociais e culturais dos anos 1960, a série Mad Men acumulou Emmys e Globos de Ouro pela maneira como evidenciou a persuasão na essência da propaganda. Mais do que isso. Entre conflitos de gerações e dilemas éticos e financeiros comuns até os dias de hoje, a série protagonizada pelo diretor de criação Don Draper reflete no que é baseada a publicidade: pura e simplesmente em pessoas.

Mas saindo do faz de conta, em um momento de mudanças orientadas pela tecnologia na propaganda, não é raro o desapego ou mesmo o desprezo ao passado, a fim de abrir espaço para o novo. Nesse culto à inovação, nem sempre o que é mais maduro e resistente ao tempo encontra o mesmo valor, ainda que seja justamente a bagagem de mercado que garanta equilíbrio nos negócios. “É claro que o mundo mudou, a propaganda hoje foi para o Vale do Silício. O foco é outro para as marcas, mas a essência da persuasão é a mesma. É isso que os profissionais de cabelo branco conseguem enxergar e passar para a nova garotada”, reflete Valdir Bianchi, diretor de criação da DM9DDB.

Aos 57 anos e com mais de três décadas dedicadas à profissão, o criativo faz parte de um grupo minoritário nas agências, mas cada vez mais estratégico. Os profissionais sêniores somam o melhor dos cenários, combinando repertório e experiência, mas ainda passam por inúmeros desafios, a começar pelos fios brancos na cabeça, que, para alguns, são sinais de que o prazo de validade na carreira está para vencer. “Há preconceito dentro das agências e clientes. Há o questionamento que, se não é millennium, como vai criar para um público millennium? Mas se esquecem que todo mundo é gente. Publicitário é um observador da vida, faz parte do seu trabalho entender mais sobre o mundo a seu redor e isso independe de idade”, defende o brasileiro Manir Fadel, diretor de criação da agência Red Fuse em Paris, do Grupo WPP.

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Para o criativo, é trabalho de todos envolvidos com o negócio acompanhar as mudanças e visões do mundo, ou seja, é tão necessário para um jovem estar afiado quanto para um sênior. “A gente está perdendo um conhecimento de propaganda, talento, gente que circula bem em todas as áreas das agências, que já passou por todo tipo de terremoto, que tem autoridade para falar com cliente, que passa confiança na hora de vender campanha. Falam que esse pessoal está datado e ultrapassado. Para um médico, quanto mais experiente, melhor. É para refletir como o Brasil tem jogado fora a experiência desses publicitários”.

Cabeça de dinossauro?
Se por um lado, é inegável o reflexo do tempo na vida e, consequentemente, na carreira, a postura como o envelhecimento é encarado pode ser a chave para determinar a longevidade dos criativos. É o caso de Toninho Lima, redator da agência Brick, no Rio de Janeiro. Aos 66 anos, tem passagens por McCann, NBS, JWT e Artplan, entre outras, e está longe da aposentadoria. Sobre o “peso” da idade, o criativo prefere encarar o envelhecimento como opcional. “Existe um prazo de validade se você tiver um prazo de validade como pessoa física. Se você não se sente capaz em fazer outra coisa na vida, isso se reflete no profissional. Sempre brinco com a minha mulher que se um dia eu ficar velho eu vou dar palestras. Coloco a velhice sempre no condicional. Por enquanto eu não escolhi ficar velho”.

Alê Oliveira

Ele, que acumula quatro décadas de publicidade, destaca que seria “injusto” de sua parte se dissesse que teve alguma resistência para encontrar oportunidades profissionais, mas admite que não são raros os casos de colegas sem a mesma sorte. Ainda assim, enxerga apenas um limite para pendurar as chuteiras: “a criação depende de a cabeça estar boa. O limite para se aposentar é quando o cara está infeliz. E isso pode acontecer mesmo antes de a cabeça ficar branca”.

Mariangela Silvani, diretora-executiva de criação da Grey Brasil, concorda com o colega. Com 30 anos de mercado, a profissional ressalta que procura encarar cada dia como novo. “Olho sempre para frente. Tenho disposição genuína de aprender todo dia. Minha mente sempre é uma tela em branco a assimilar novas cores. Tenho a sensação de sempre estar vendo algo diferente. É preciso ter essa abertura”.

Eduardo Doss, diretor de criação da Ogilvy, acrescenta um ponto bastante comum no debate idade versus experiência. A ideia de que profissionais mais maduros só sabem lidar com as mídias tradicionais. “Vejo muita gente sênior fazendo trabalho com novas tecnologias
e muito jovem só com print na pasta e vice-versa. É uma questão de postura perante o novo. Querer estar perto dele ou não”.

Com passagens por Y&R, Leo Burnett Tailor Made e Fischer, entre outras, Mariangela diz não sentir saudades da época em que a propaganda era restrita aos meios tradicionais. Ela lembra que o digital abriu caminhos desafiadores para todo mundo e, nesse sentido, a maturidade lhe trouxe de mais valioso, além da técnica, a humildade para aprender. “As novas ferramentas digitais, a internet, só melhoraram a nossa vida. Não sou saudosista, não tenho saudade do tempo que eu era limitada a uma página simples ou dupla ou ainda aos 30 segundos na TV. Não sofro com mudanças. Sofro quando tudo fica parado”.

Troca
Entre os criativos “cabeça branca”, é consenso a ideia de que a idade contribui para abertura às novas experiências. É nesse cenário que dividir conhecimentos com os mais jovens se torna um ganha-ganha. “Você se sente menos egocêntrico. Esse tem sido o maior aprendizado. Prestar atenção no outro, sair do meu ponto de vista, mas somá-lo ao dos que estão ao redor. Não é porque estou trabalhando com jovem que ele não tem o que me ensinar. Muito pelo contrário”, sinaliza Mariangela.

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Pensando nos benefícios dessa troca, Bianchi, da DM9, tem se aproximado cada vez mais das novas gerações. Partiu dele a organização de encontros semanais com os estagiários da agência para troca de experiências e, principalmente, o resgate do histórico da propaganda. “A ideia é que essa garotada, que tem esse lado do novo intrínseco, não deixe de compreender a essência do nosso negócio”, afirma.

Para Toninho Lima, a principal contribuição aos jovens é apresentá-los o passado bem como o valor das referências. “Algum publicitário disse recentemente, talvez, o Washington Olivetto, que as pessoas têm sofrido déficit de passado. Com as redes sociais, a gente hoje tem à mão muita informação espontânea do presente, mas não tem tempo de saber como era antes”, ressalta. Sobre esse dilema, o criativo, que também já foi professor da Miami AdSchool, explica que apresentar aos jovens o histórico da propaganda é uma das maneiras de garantir seu alto padrão. “Tive excelentes espelhos profissionais, gente com quem nunca convivi pessoalmente, mas que admirava em anuários. Não existe uma contribuição mais efetiva que essa, a de passar para a nova turma a necessidade de ter referências”.

Edgard Gianesi, diretor de criação da David, concorda com o colega e defende que faz parte da responsabilidade dos profissionais sêniores essa preparação para as novas gerações. “Quando a gente está há mais tempo, temos dever de contribuir. É uma missão muito bonita”. Mas ressalta que o ideal é promover um ambiente diverso e de troca mútua. “Acho muito sadio a gente ter noção que diversidade não está ligada apenas à formação ou background, gênero ou raça, mas inclui experiências de tempo de trabalho. Aqui na David a gente procura ter essa mistura. Acaba sendo produtivo para todo mundo. Estabelecer padrões diferentes, trabalhos a partir de experiências. Não é porque tenho 30 anos de mercado que vou saber mais do que quem está começando”.

A diversidade no ambiente da criação, aliás, tem sido vista cada vez mais como questão estratégica de negócio. Segundo Bruno Prosperi, diretor-executivo de criação da Almap-
BBDO, esse encontro de gerações cria ambiente propício para as grandes ideias. “Nunca tivemos o perfil de agência com dois míseros criativos sêniores e um bando de moleques. Esse pensamento de valorização me conquistou há 14 anos, quando vim trabalhar aqui. Algo que a gente sempre acreditou é nessa mistura de sangue nos olhos dos jovens e a bagagem e experiência dos sêniores. Essa combinação propicia grandes ideias”, afirma.

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Essa também é a opinião de Toninho Lima, da Brick, que procura fugir do Fla-Flu sobre que tipo de profissional é o melhor. “Tem muita gente que fala que tudo que está sendo feito na propaganda é ruim.

E que profissionais mais maduros contribuem para trazer mais consistência. Fico muito feliz quando ouço isso, mas não quero ensinar a nova geração como eu fazia, pretendo ganhar com essa troca”.

Aprimoramento
Se comprovadamente a experiência de vida é um valor importante para garantir trabalhos consistentes na criação, a constante atualização é também essencial. Afinal, o respeito aos cabelos brancos passa também pela relevância, e não simplesmente pelo tempo de carteira de trabalho. É o que acredita Gianesi, da David. “A profissão foi muito afetada por todas as inovações tecnológicas. Elas permitiram novas maneiras de se comunicar com as pessoas. Cabe a quem está há mais tempo ir atrás dessas mudanças e buscar aprender inovações. Esse é um processo que é realizado no dia a dia e por iniciativa de cada um”, defende. Já Manir Fadel, da Red Fuse de Paris, acredita na responsabilidade das agências em promover ambiente de aprendizado coletivo. “Tenho visto nos Estados Unidos e Europa um papel mais forte de atualização do que no Brasil. Um esforço mais ativo do RH de colocar o pessoal em cursos e manter essa atualização. Não dá para a agência se omitir. Se você tem um sênior treinado e atualizado, você tem o melhor dos dois mundos”.

Além do debate sobre aprimoramento, a questão da idade inclui discussão em relação ao reconhecimento profissional. Isso porque o caminho natural, à medida que os profissionais vão envelhecendo, é oferecer-lhes oportunidades de promoção. Mas não necessariamente essa é apenas uma questão de hierarquia. Para Bianchi, a discussão vai um pouco além. “O tempo vai passando e as pessoas têm de buscar o que lhes faz feliz. Onde você procura realização? Naquilo que faz com prazer. Tem gente que gosta de criar, pegar o job e mergulhar nele. Isso também é maturidade”.

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Ao fazerem uma análise a respeito de sua trajetória, os criativos de cabeça branca são unânimes em admitir que, no fim das contas, idade é mesmo apenas uma data que consta no documento de identidade. Longe dos clichês comuns quando há debate sobre idade, Mariangela define suas décadas de profissão simplesmente como vida. “Não somos apenas anos, acumulo vida. Experiências e vontade de aprender cada vez mais. Viver tudo, saber tudo”.

Em tempos em que a juventude é tão celebrada, a criativa reconhece o frescor e raça de quem está começando, mas não trocaria de lugar, ainda que possível. “Não gostaria de voltar no tempo. Queria ter mais anos para ir adiante. Tenho mais de 30 anos de mercado, mas não fico contando muito. Número é muito relativo, mas se quer mesmo saber, hoje me sinto com 22 anos”, finaliza.

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