As chances que eu perdi de ter ficado quieto dariam um livro. Melhor dizendo, já deram um livro, aliás (modestamente) já esgotado, depois de várias edições. De tanto fazer bobagens, um dia achei que poderia ganhar alguma coisa com isso. Daí esta magnífica obra de literatura universal chamada Loucuras de um Publicitário, que a Editora Objetiva teve a desfaçatez de entregar ao chamado grande público. Quem quiser, ainda consegue pela Estante Virtual. E pode ter a sorte de receber um livro autografado por mim, daqueles que presenteei algum amigo achando que estava fazendo um grande favor e ele passou nos cobres, junto com outros livros imprestáveis. Eu sei que é assim: como não tinha nenhum exemplar em casa, comprei meu livro nesse sebo internauta e recebi um que tinha sido autografado para uma amiga. Quando ela soube disso, me explicou que, na separação, deixou os livros para o corno do marido, que vendeu a biblioteca quando se juntou com uma piranha. Acreditei, claro.

Na semana passada, contei algumas que aprontei, recomendando que tivessem cuidado com a minha capacidade de fazer besteira. Tem gente que achou exagero. Mas veja só: fui convidado para dar uma aula numa universidade do Norte e os anfitriões, ou seja, a diretoria da faculdade, gentilmente me ofereceram um jantar numa churrascaria de luxo, que é um dos lugares de maior sucesso na cidade. Como eu teria de passar pelo hotel, combinamos de nos encontrar no lugar. Acontece que, dentro da mais rigorosa política de inclusão, o porteiro da churrascaria é anão. Vou repetir: o cidadão que abre a porta e encaminha as pessoas para as mesas no local é verticalmente prejudicado. Acho justíssimo dar este posto de trabalho para um legítimo representante de um tipo de minoria. Detesto discriminação, logo louvo a iniciativa de botar um anão para abrir a porta. Mas veja o desastre.

Quando o carro me deixou na porta do restaurante, eu procurei meus amigos, olhando à frente, tentando descobrir naquele mundo a mesa onde eles se encontravam. Consequentemente, não olhei para baixo, ou seja, para o anão. E atropelei o coitado. Olhando fixo para o horizonte caí sobre ele, com meus cento e poucos quilos. E rolamos os dois, espalhando menus, mesas e cadeiras, numa dança desencontrada. O anão se debatia, desesperado, enquanto derrubávamos copos, pratos e parte do bufê. Três ou quatro metros depois, conseguimos parar, numa montanha de cacos e restos de comida. Achando que tinha matado o anão, pedindo desculpas e tentando limpar a maionese do smoking dele, carreguei o pobre no colo, pondo-o sentado numa muretinha que separava o salão. Claro que ele estava louco da vida, com total razão.

Atropelado, dolorido e sujo, ainda era submetido ao ridículo de ser mantido sentado na muretinha por um maluco que murmurava pedidos de desculpas e tentava limpar-lhe a roupa com uma toalha. Dedicou-me um sonoro palavrão, comprometendo a honra de minha falecida mãe. Larguei o cara sentado, achando que faltava-lhe, além de altura, espírito esportivo.

É por essas e outras que raramente aceito convites para ficar na casa de amigos. Adoro um hotel onde, pelo menos, me sinto mais à vontade para fazer minhas bobagens, derrubar as coisas e tropeçar onde não devo. Sou ótimo convidado para um almoço ou jantar, mas minha capacidade de não causar desastres é mínima.

Uma vez, em Londres, minha anfitriã me aconselhou a tocar fogo num pratinho com álcool para que eu não morresse de frio ao sair do banho. Era inverno e não havia calefação no banheiro. E me emprestou o pratinho, o álcool e a caixinha de fósforo. Devolvi-lhe a gentileza provocando um fogaréu maravilhoso que só não reeditou o famoso incêndio de Londres porque agi com relativa rapidez, inundando o banheiro e parte do quarto. Ela até hoje me agradece, pois fiz questão de pagar um fim de semana em Paris enquanto ela reformava o apartamento que, graças a Deus, estava no seguro. Eu é que não me agradeço.

Mario Vitor Rodrigues, neto do Nelson, foi jantar comigo outro dia. Ao ver meu cachorro, resolveu fazer-lhe festas. Segurando a taça de vinho foi brincar com o meu labrador. Dentro do melhor espírito do dono da casa, atravessou a porta de vidro. Minha mulher, que estava viajando, até agora não acredita que foi ele. Crie fama e deite na cama, diziam os antigos. Pois é.

Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)