Quando uma marca está associada ou relacionada com uma pessoa, o processo de transferência ou transição é praticamente impossível. Quando uma marca está quase que indissociavelmente ligada a uma pessoa que, por acidente de percurso, desaparece, o valor a ser investido em preservá-la é, via de regra, algumas vezes maior do que começar-se uma marca do zero. Mas os BGBs (Buyers ghost brands) – compradores de marcas fantasmas – não desistem.

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Ayrton Senna é um ótimo exemplo. Sob a gestão criteriosa e sensível da família e de sua irmã Viviane, quase 22 anos depois, a marca permanece consistentemente preservada para determinadas causas e finalidades. Salvo momentos de homenagens, salvo efemérides, só excepcionalmente pode ser utilizada por empresas, produtos e serviços. Mas, e a cada ano que passa, revela-se forte e poderosa para movimentos e causas sociais de total relevância. A começar por todas as iniciativas do Instituto que leva seu nome. De qualquer maneira, a circunstância que o levou, embora trágica, remete a alguém em busca da missão a que se propôs; na ativação de seu manifesto de vida. Triste e infelizmente, o mesmo não aconteceu com Eliana Tranchesi, a alma, o corpo, a vida da marca Daslu.

Já na condição de funcionária da própria marca, na edição de 4 de março de 2011, concedia entrevista a Gisele Vitoria de IstoÉ. Relata Gisele: “Na tarde de quarta-feira, 2, a empresária Eliana Tranchesi embarcou para Paris. Junto com uma equipe de oito executivas da Daslu foi assistir aos desfiles das maisons francesas e comprar os looks da estação que lhe são mais atraentes, coisa que faz semestralmente. Na véspera, participou da primeira reunião do conselho da Daslu, não mais como dona da marca, mas como funcionária do Grupo Laep Investiments… a empresária, que ficou com uma das duas lojas, será a principal executiva do grupo para manter o DNA da grife… na tarde chuvosa daquela quarta-feira, Eliana nem de longe parecia triste por ter vendido, uma semana atrás, a marca que foi propriedade de sua família por 53 anos… e disse: “Desde que exista, a Daslu não precisa ser minha”.

Durante dez anos, Eliana lutou contra a Prefeitura para a Daslu permanecer no lugar onde nascera, quando Eliana tinha apenas 1 ano de idade. Na casa de sua mãe Lucia Piva, em Vila Nova Conceição. 45 anos depois se converteu numa loja de 12,5 mil metros quadrados, com 600 empregados e um faturamento de R$ 200 milhões. E aí teve de mudar-se, endividou-se, por irregularidades e problemas na importação ficou impedida de receber mercadorias durante 13 meses. Tinha clientes, tinha equipe, não tinha produtos, faturamento zero. Solução: recuperação judicial e venda. No dia 24 de fevereiro de 2012, quase um ano após a entrevista a Gisele Vitoria, Eliana morria vitimada por câncer de pulmão. Pelas circunstâncias, emoção, luta, sofrimento, desafios, levou consigo a alma da marca.

Agora, quatro anos depois, um grupo de investidores adquiriu, da Laep, o que restou da Daslu. Em tese a marca. De verdade, e exclusivamente, a denominação. A marca partiu com sua criadora. Leio no Estadão os planos dos novos proprietários da denominação Daslu. Hoje a Daslu tem sete lojas – quatro em território paulista e as outras no Rio, Distrito Federal e Recife. Assim que assumiram o controle da rede, os novos donos contrataram o executivo Eliseu Lima para reestruturar a operação: Segundo ele, “os últimos três anos não foram fáceis para a Daslu. Há muito que fazer e o que enxugar”. Já foram demitidos 40 funcionários, contratos de aluguel revistos… o próximo passo é diminuir o tamanho das lojas…”.

Na entrevista à revista IstoÉ, Eliana declarou, “eu morreria se a Daslu fosse fechada…”. Eliana morreu, partiu antes, e, sem o saber, levou consigo o que supostamente vendeu. Em síntese, e assim como a Laep, os novos donos não compraram nada. Além de cinco letras quaisquer. E que, circunstancialmente, formam Daslu. Circunstancialmente…

Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing