O jargão, também conhecido pelos hermeneutas como socioleto, é uma linguagem própria de um grupo seja profissional ou sociocultural. Em princípio é uma das maneiras de caracterizar o grupo e criar, através da palavra, uma identidade. Mas o jargão pode ter um lado cruel: o da exclusão, ou, o que é ainda pior, o de criar condições para o logro e a burla. O exemplo mais conhecido é o da rebimboca da parafuseta, peça que só existe para que os mecânicos de automóvel justifiquem o preço absurdo para um reparo que não deveria custar quase nada. Pelo menos era assim, antes do advento dos carros com computadores ditos embarcados cujos defeitos estão muito mais sofisticados e agora podem ser chamados de scriw drive’s rebimboca, que sempre é um problema com a placa-mãe. E que também é picaretagem, só que agora de jaleco e tabletop.

Quando eu comecei em propaganda, o fino era falar quase todos os termos técnicos em inglês, desde rough a draft; assim como a definição do produto, era claim; público-alvo, era target; e orçamento, budget. Se de um lado a tradução ainda não estava consagrada, por outro criava uma afetação profissional que nos fazia ser diferente dos pobres mortais monoglotas e desconhecedores dos mistérios do adversiment. Ninguém tinha coragem de escrever leiaute, mesmo depois de o Aurélio registrar. Um artdirector de respeito somente produzia lay-outs, inclusive porque leiaute não tinha o necessário punch. E o problema do especialista não é só o estabelecimento de um vocabulário próprio.

Há conceitos também a separar o povaréu leigo da sapiência de sua especialidade. Daí nascem axiomas que qualificam quem domina o assunto e os seres comuns. Assim é, por exemplo, na área da educação, onde a linguagem acadêmica transforma conceitos de educar/aprender numa série infinita de desconstruções distópicas, que criam uma barreira aos não iniciados. Outro exemplo é dos doutores em direito, cujo linguajar é uma evolução sofisticada da rebimboca da parafuseta, só que com pitadas de latim. Não sou um apedeuta, pelo menos não completamente, mas confesso ser incapaz de entender o que diz um ministro de uma corte suprema de qualquer coisa. Se após um discurso de algumas horas de qualquer daquelas figuras semideusicas das estâncias superiores alguém me perguntar o que foi que a eminência disse, sou incapaz de saber se ele era contra ou a favor do réu, se tinha se decidido pela condenação ou pela definitiva absolvição, data vênia.

É o jargão funcionando, como última trincheira da possibilidade de voltar atrás, de in dubio in dúbio est. Neste tipo de raciocínio me permitam falar da centena de milhares de novos cientistas da comunicação atualmente cagando regras sobre o mundo online. De uma hora para outra há que cessar tudo quanto a antiga musa cantou. Jornais, televisão, rádio e até mesmo o velho papo de botequim morreram diante do fascinante universo das redes sociais, aquele que elegeu o Obama e o Trump e fará a diferença nas eleições brasileiras de 2018. Em parcos anos nos transformamos em seguidores de alguém que nos chega através dos devices, capaz de fazer até mesmo darmos cabo à vida, se assim decidirem ordenar. E temos de engolir os números fantásticos dos milhões de seguidores de fulaninho ou beltraninha, os influenciadores, que por uma fração do custo de um comercial de TV podem fazer o sucesso de um produto ou de uma ideia.

Será verdade? Será possível que num passe de mágica podemos parar de investir em propaganda, em comunicação feita por profissionais, para comandar o coração e a mente dos nossos fregueses somente através de leades e inbounds, com verbas ridículas, acreditando que esse novo mundo de fantasia é a solução definitiva? Voltemos ao jargão. Não consigo acompanhar o raciocínio dos gráficos multicoloridos de menções e likes/deslikes que os novos especialistas do ramo têm me apresentado. Gostaria muito que esses arautos dos novos tempos falassem língua que todo mundo entenda, para que o conhecimento deste fantástico mundo online não seja dominado apenas por quem sabe onde fica a rebimboca da parafuseta. E antes que me critiquem, salpiquei este texto de palavras ditas eruditas ou sofisticadas só para encher o saco.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)

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