Uma das coisas que mais admiro em minha mulher é não denunciar que eu já contei uma história milhares de vezes. Uma das razões que levam uma pessoa a se tornar corno é a parceira ou parceiro querer ouvir histórias novas e não a repetição de velhas aventuras, que são como piadas: por melhores que sejam não resistem a serem recontadas. Você pode até ser repetitivo na cama ou nos gostos, até no porre assistindo futebol há perdão quando há amor. Mas velhas histórias são difíceis de aguentar.

É por isso que não sei se já contei esta que vem agora, me perdoem caso tenha feito. É sempre bom lembrar que escrevo esta coluna desde o tempo do velho Caderno de Propaganda & Marketing, criado há décadas, e numa conta rápida, já fiz mais de 600, sem faltar uma única semana, nem mesmo quando estive no hospital. Por isso, alguma repetição ocorre. Se existe alguém que mereça minha gratidão é a leitora e o leitor que me suporta há tanto tempo. Se é que tenho leitoras e leitores, claro. De vez em quando recebo um email concordando ou discordando de minhas opiniões, o que me faz crer que tem sempre algum desavisado perdendo tempo com estas linhas.

Bem, semana passada eu escrevi que o momento político estava trazendo à tona o caráter de nossa sociedade, mal-educada, violenta e mal informada. Nem Bolsonaro, nem o PT, nem o Haddad são responsáveis pelo que se vê nas ruas, se lê nas redes sociais e se escuta nos bares. Eles são simplesmente a agulha que se aproximou do balão e o fez explodir. O brasileiro médio passa longe do que ele mesmo se imaginava. A cordialidade, a sensatez e os sentimentos de compreensão não resistem à prova que estão sendo submetidos.

Somos um povo próximo da barbárie e os laços que nos unem têm a resistência de uma bolha de sabão. Mesmo dentro das famílias, mesmo com palavras gentis, mesmo sob a aparência de educação e respeito, é difícil se encontrar empatia, aquele sentimento que é, basicamente, se colocar na posição da outra pessoa, tentando entender as suas razões. Bem, me perdi. Não era isso que eu queria contar. Eu ia usar uma história que eu conheço e pode ser uma metáfora do que estamos vivendo no Brasil. Há muitos anos, um casal conhecidíssimo das artes resolveu oferecer um jantar ao presidente mundial da gravadora com a qual tinham contrato, que estava visitando o Brasil.

Toda empresa morreu de medo, pois eles eram conhecidos por brigarem por qualquer motivo, mas não conseguiram demovê-los da ideia. Ou melhor, demovê-la, já que, para desespero geral, a moça ainda resolveu cozinhar, resolvida a mostrar que tinha outros talentos, além da voz privilegiada. Para que o terror ficasse total, o presidente levou a mulher, uma coroa americana do interior dos Estados Unidos. Tentando minimizar os riscos, a diretoria da gravadora contratou uns falsos ajudantes de cozinha, na realidade ótimos cozinheiros, para ver se às escondidas melhoravam a gororoba.

À noite, todos sentados, trocando amabilidades, chega o prato principal, segundo a cozinheira uma receita de família que teria lhe custado a tarde inteira de trabalho.

O marido, logo após a primeira garfada, pede à esposa-chef: “benzinho, por favor, me passa o sal?” Ela responde toda mimosa: “não gostou do prato, seu filho da puta? A quantidade de sal é essa mesmo, não é aquela salmoura que a vaca da sua mãe faz”. O marido, também gentil, retruca que naquela casa só se comia merda, incluindo a cozinheira. E o saleiro voou, junto com a recomendação de que fosse devidamente enfiado no cu. Situação parecida com essa tem se repetido à miúde nas melhores famílias quando se trata de conversa política.

Para não correr riscos, no dia da eleição estarei viajando. E, se fosse votar, votaria em branco.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)