Lá está ele. O dr. Carlos Alberto de Oliveira Andrade. Sorridente, deixando-se fotografar na posição que sempre sonhou. Olhar à meia distância, sorriso, sob a manga do cashmere um Rolex dourado. Primeira matéria de Exame, edição 1.140, seis páginas. Matéria, não, brand content. Lá atrás, mais conhecida como matéria paga, depois publieditorial, hoje, brand content. Exame virou Vogue! Meu último emprego e antes de empreender, foi como diretor-superintendente e publisher da Carta Editorial.

Todos os meses reunião de pauta. Lá ia eu para a casa da Avenida Brasil. Terminada a reunião, decidida a pauta para o próximo número de Vogue, voltava para a Faria Lima, minha base. Minutos depois começávamos uma reunião com Marcio Oliveira, Antonieta e Ricardo Ribenboim. No estúdio que o Ricardo pilotava e dava suporte para a área comercial. Sobre a pauta decidida, desenvolvíamos duas dezenas de projetos especiais. Dois dias depois, lá ia o Marcio e equipe venderem os projetos especiais pensados, planejados e desenvolvidos sob medida para empresas anunciantes que tinham adequação ao editorial. Ou se fazia assim ou não se tinha publicidade. Para as agências, Vogue só era lembrada em circunstâncias especiais. Inseria-se no verbete Mídia Alternativa.

Exame virou Vogue. Estadão virou Vogue. Folha virou Vogue. Época virou Vogue. Veja virou Vogue. Não existe mais mídia principal e obrigatória. Todas são alternativas. O Dr. Caoa diz: “O cliente em primeiro lugar”. Com o nome meio relacionado a supostas relações tóxicas e procedimentos pouco ortodoxos com políticos, o empresário Carlos Alberto é um empresário de sucesso. Fez três trabalhos emblemáticos e campeões. Para Ford, originalmente, depois para a Renault, e nas últimas duas décadas fez da Hyundai a marca mais desejada e respeitada por parcela expressiva dos proprietários de automóveis em nosso país. O produto é bom; é, é ótimo. Mas o marketing do Dr. Caoa é brilhante. Mas ele aproveitou-se da fragilidade da mídia – dizem alguns –, da debilidade econômica dos principais jornais… Também é verdade. Mas debilitaram-se por outras razões e motivos. Estruturais, conjunturais e incapacidade de decidirem a tempo sobre reposicionamentos essenciais.

A matéria é de ótima qualidade! Não é matéria, É brand content! Who cares. Se o conteúdo atrai, envolve, emociona e o leitor fica feliz, o que tem de errado nisso, mesmo que não saiba tratar-se de espaço comprado? A Abril não Adverte! É verdade, não mais como fazia antigamente. Onde os possíveis publieditoriais tinham de ser examinados previamente, jamais poderiam – pela diagramação da página, pela direção de arte e pela escolha dos tipos – induzir o leitor a engano e confundir comercial com editorial. Mas, no alto da página dois da matéria, está escrito em letras médias “Apresentado por Caoa”, e nos rodapés a assinatura do estúdio ou agência interna da Abril encarregada da produção da peça de comunicação: “Produzido por Abril Branded Content…”.

Doutor Caoa diz tudo o que sempre teve vontade de dizer, em entrevistas que se recusava a dar por medo do que seria publicado. Diz: “Hoje, a percepção da Hyundai é de uma marca premium. Nós é que construímos isso”. Ou “O jogo virou com o Tucson. Podemos dizer que inauguramos o segmento de SUVs aqui no Brasil” ou, emocionado, suspira: “Faz alguns anos que eu sonho com um carro 100% nacional. Seria um legado não para mim, para minha família ou para a Caoa, mas para o Brasil inteiro”. E ainda, no correr de toda a matéria – esquece, Madia, branded content! –, é tratado carinhosamente pelos jornalistas – esquece, Madia, equipe de criação da ABC – “Andrade fala da fábrica com o brilho dos olhos de pai que conta sobre o filho bem-sucedido… A fábrica foi construída com o dinheiro do meu bolso… na época eu vendi quase tudo o que tinha e corri todo o risco sozinho…”. Assim são os tempos de hoje, os dias que vivemos. Tudo virou Vogue. Quem se importa?