A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia defendeu, na última segunda-feira (22), a preservação da memória histórica, respeitando a dignidade das pessoas, sem que isso colida com os direitos de um povo. A palestra sobre o direito ao esquecimento aconteceu durante a abertura do Fórum Esquecimento x Memória, realizado em Brasília pela Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) e pelo Instituto Palavra Aberta.  

“Acredito que encontraremos o equilíbrio para deixar que as liberdades garantam a dignidade, mas que a liberdade de um não se sobreponha à dos outros de tal maneira que não tenhamos capacidade de saber qual o nosso passado”, disse a ministra, no evento que contou com o apoio da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert).

Ao destacar que não poderia se aprofundar no tema porque iria julgá-lo, ela disse que o assunto é “candente” e afirmou a importância de identificar que, o que é a memória de alguém, precisa ser guardada e não pode ser rediscutida.

“Temos a possibilidade de discutir hoje o que é a memória de alguém que precisa ser resguardada e o que não pode ser guardado, porque constitui não memória individual, mas memória coletiva. No fundo, o que discutiremos nada mais é do que saber qual é o ponto central da dignidade de uma pessoa e da dignidade de um povo”, disse. 

A discussão ganhou destaque depois que chegou ao STF um recurso movido pelos irmãos de Aida Curi, assassinada em 1958 no Rio de Janeiro (e tema de programa da TV Globo), contrários à veiculação do caso. O julgamento terá repercussão geral, ou seja, o entendimento deverá ser seguido pelos tribunais do país.

A subprocuradora da República Deborah Duprat, que substituiu o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu que o direito ao esquecimento tal como se discute é inconstitucional. E explicou por que a Procuradoria-Geral da República (PGR) é contra o direito ao esquecimento na ação.

“É preciso estar o tempo todo lembrando para que não haja a repetição e a reprodução dos horrores cometidos no passado. Acho que nossa ordem constitucional impede que haja o direito ao esquecimento”, disse. 

Anderson Schreiber, procurador do Estado do Rio de Janeiro e defensor do direito ao esquecimento, disse que o tema é compreendido de forma equivocada pelos críticos. Segundo ele, o assunto teve origem na Alemanha e na Itália, com a reivindicação de ex-presidiários que se opunham ao fato de serem lembrados para sempre, na mídia, na condição de presos. Citou ainda o caso de uma transexual incomodada por ser citada várias vezes nos jornais como alguém que “nasceu homem”.

“É o direito de um indivíduo de se proteger individualmente, contra uma recordação agressiva de um fato que esteja atrapalhando o seu desenvolvimento.”, afirmou. 

O procurador reconheceu que haverá algum impacto do reconhecimento ao direito ao esquecimento na liberdade de expressão. Argumentou, porém, que a questão pode ser disciplinada pelo Judiciário, com medidas reguladoras, tais como as que impeçam, por exemplo, o uso de imagem de forte impacto de familiares durante um funeral.

“Não é um pesadelo que cause uma limitação grosseira e severa para a liberdade de imprensa. O direito ao esquecimento certamente pode impactar a liberdade de expressão, mas pode ser regulado pelo Judiciário”, disse. 

Gustavo Binenbojm, professor de Direito Administrativo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), disse que o direito ao esquecimento lesa o direito à informação, causando uma espécie de amnésia coletiva.

“No fundo, o que se defende é uma espécie de direito de prescrição ou decadência no direito à informação. Como se esse desejo de se apagar o passado pudesse funcionar com uma amnésia coletiva para que a sociedade deixe de ter acesso a determinadas informações, que, a despeito de licitamente apuradas e verdadeiras, não mais o sejam divulgadas pela mera vontade de um interessado”, argumentou. 

Segundo ele, a lei, hoje, já prevê mecanismos para que o cidadão se resguarde de injúrias, calúnias ou outros conteúdos eventualmente distorcidos. Ele destacou também que no mundo digital, em que tudo fica gravado, é preciso pensar em outras saídas que não interfiram na liberdade de expressão, citando como exemplo links de atualização de informações no caso de pessoas acusadas de algo e depois absolvidas.

O presidente da Aner, Fábio Gallo, disse que é preciso haver uma discussão “criteriosa” sobre o assunto, pois a liberdade de expressão de imprensa e o acesso a dados históricos “são garantias da sociedade”.