“Eu vejo o futuro repetir o passado. Vejo um museu de grandes novidades.” (Cazuza)

“Meu avô costumava dizer que de 20 em 20 anos aparece no mundo uma nova geração, mas é de 40 em 40 que todas as coisas se repetem. Fazer previsões para o futuro é uma tarefa fácil. Acertar, nem tanto. De acordo com o critério do vovô, a nossa atual década repetiria, consideradas as diferenças de contexto, os anos 1970.

A década de 1970 não foi um período feliz para nosso país. A ditadura militar, que havia se instalado na década anterior para combater o comunismo, com boa aceitação de um povo conservador, começava a ser contestada. Alguns poucos artistas driblavam a censura e produziam obras que chocavam os mais conservadores da época (como ‘Laranja mecânica’, do Kubrick, ou ‘Dona Flor e seus dois maridos’, do Barreto).

O povo se conscientizava das mazelas do regime de extrema-direita e se alienava nas discotecas. Com o Watergate, grande escândalo político nos EUA que resultou na renúncia de Nixon, descobrimos que os governos (mesmo os norte-americanos) nem sempre são honestos. A tecnologia nos trouxe o walkman e a música passou a nos acompanhar em todo lugar. A televisão aberta ganhou cores e se consolidou como principal meio de comunicação.

Na América Latina, os mais beligerantes buscavam exílio em outros países para fugir da perseguição. Fazendo algum esforço, podemos estabelecer alguns paralelos com a nossa década. Somos, agora, neoconservadores pautados por causas efêmeras. Na década passada aceitamos um governo de esquerda para combater o capitalismo que agora começamos a contestar. O ‘Laranja mecânica’ foi substituído por ‘50 tons de cinza’. Os DJs das discotecas foram substituídos pelos MCs do funk. O Watergate pelo mensalão. O walkmen pelos tablets e a televisão pela internet.

E os descontentes da América Latina se autoexilam para Miami. Então, se queremos saber o que acontecerá daqui a 20 anos, a partir de 2030, podemos nos animar a olhar para os anos 1990, uma década tensa e intensa. A URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) deixa de existir em seu formato original, os Estados Unidos invadem o Iraque, Mandela assume a presidência da África do Sul e termina o ‘apartheid’, Collor promove a abertura econômica e Fernando Henrique as privatizações, debelando a inflação, a Europa unifica a sua moeda.

Nascem os transgênicos, a clonagem de seres vivos, o Windows 95 e o Google. Renasce o rock no Brasil e no mundo. O Mickey dá lugar aos Thundercats e aos Cavaleiros do Zodíaco. A magia surge com ‘Caverna do Dragão’ e Harry Potter. Resumidamente, podemos dizer que os anos 1990 foram marcados pela consolidação de mudanças que vinham sendo gestadas nos anos anteriores, pela substituição de modelos esgotados e pela ruptura de paradigmas. Sendo assim, para aplicar a teoria do meu avô, devemos nos perguntar quais modelos se esgotarão e quais paradigmas serão rompidos nas próximas duas décadas. Se considerarmos as megatendências que atuam sobre a sociedade no momento, podemos ter uma boa ideia de onde virão as principais mudanças.

Podemos esperar, por exemplo, que o Brasil encontre a solução para o controle da corrupção e a ética nas relações comerciais finalmente se estabeleça em 2030. Também podemos imaginar que o discurso politicamente correto, o protecionismo a ‘minorias’ e o assistencialismo social sejam substituídos por alternativas mais eficientes e sustentáveis, como decorrência do amadurecimento de nossa democracia. A sociedade será mais participativa. Parece ser inevitável que as empresas encerrem seu ciclo de foco quase exclusivo em resultados financeiros e voltem a ser pautadas por propósitos mais motivadores. Nossa legislação trabalhista arcaica e superprotetora precisará ser revista para acomodar as novas relações de trabalho, com home-office, jornadas de trabalho flexíveis, remuneração variável, participação nos resultados e redução nas relações hierárquicas.

As pessoas trabalharão menos horas, mas com maior comprometimento, propósito e eficiência. Perderão menos tempo no trânsito. O transporte coletivo vai melhorar muito. O número de carros nas ruas diminuirá. O consumo, em geral, tenderá a ser mais consciente e planejado. Os sistemas de saúde, previdência e educação serão reestruturados. O sistema penitenciário também. O controle da corrupção e o novo desenho social participativo resultarão na diminuição da criminalidade. Podemos esperar cidades mais seguras a partir de 2030.

Por outro lado, os investimentos em infraestrutura necessários para a manutenção da qualidade de vida nas grandes cidades não têm sido feitos com a devida antecedência, o que significa que em 2030 seguiremos enfrentando desafios substanciais que serão, finalmente, endereçados nessa década, mas cujos resultados só vão ser colhidos nas décadas seguintes. Os setores hídrico, elétrico, de transportes e de logística de distribuição de alimentos devem receber grandes investimentos em 2030. Se uma foto de 2030 pudesse ser enviada ao presente, não me espantaria em ver trens e Zeppelins (o mais sustentável transporte aéreo) cruzando o país para transportar alimentos. Modernos moinhos de vento no Nordeste e estranhas estruturas para produção de energia elétrica hidromecânica nas praias do Sul também poderiam aparecer na foto.

O importante é que o governo estará tratando essas questões de forma séria e planejada e a população, mais consciente, também fará a sua parte, moderando o consumo. As Forças Armadas brasileiras, cujo modelo também se esgotou, deverão ser alvo de uma séria remodelação. O controle das fronteiras aéreas, terrestres e marítimas, o tráfico internacional de drogas e a segurança da informação justificarão o investimento na sua modernização. A questão religiosa é, talvez, a maior incógnita no desenho desse cenário de futuro. Embora boa parte da população ocidental caminhe para uma posição agnóstica, também deve crescer a proporção de fundamentalistas, tanto no Ocidente quanto no Oriente.

Como eu sou otimista, prefiro acreditar que o aumento da participação política dos fundamentalistas nos governos da maioria dos países seja um canal de expressão suficiente para evitar maiores conflitos. Mas existe a possibilidade de que os conflitos religiosos se acirrem e se expandam para as principais capitais do mundo.Embora me pareça difícil imaginar isso acontecendo no Brasil, certamente acabaríamos sofrendo algum tipo de impacto. Eu acredito que essa é mais uma das respostas que 2030 nos trará. Ah… para os pessimistas de plantão, deixo a possibilidade de que a Amazônia seja, finalmente, considerada patrimônio mundial e encampada pela ONU.

*Managing Director Ipsos Connect