Os evangélicos saíram na frente e abriram uma vantagem de três milhões de participantes na marcha para Jesus na Avenida Paulista. Uma mobilização impressionante, que deixou a sensação de que não seria possível fazer frente a tamanho movimento. Mas bastou iniciar o segundo tempo para os LGBTs mostrarem que não entraram em campo para saírem goleados.

E carregaram para a Paulista outros três milhões, levando a disputa para um empate espetacular. Ninguém contestou o resultado, ninguém pediu o VAR. A razão é simples: contra fatos não há argumentos. Vai ficando cada vez mais evidente que a única informação confiável que nos resta é a mais “analógica” de todas: a prosaica constatação in loco das coisas.

É a concretude que confirma ou desmente o virtual. O resto é manipulação, seja através das versões divulgadas dos fatos, que atendem a interesses específicos, seja através da adulteração de imagens com o objetivo explícito de enganar o receptor nas redes sociais. Talvez seja por isso que vêm se tornando cada vez mais frequentes, de um lado e de outro, as convocações para jornadas de protesto que impliquem em grandes concentrações de simpatizantes das causas.

Não deixa de ser curioso que isso esteja funcionando como antídoto para o veneno da manipulação digital. Pressinto que caminhamos para um estágio em que, ainda que patologicamente viciados na virtualidade, comecemos a assumir que essa informação manipulada e manipulável é apenas um jogo, como qualquer outro jogo interativo virtual. E, portanto, apenas empresta da realidade elementos para se viabilizar como jogo cujas regras possamos compreender, não tendo em suas infinitas combinações algorítmicas nenhum compromisso real com a verdade dos fatos.

Esse “produto” manipulado e adulterado virou um grande negócio, em que muitos profissionais empreendem e muitos profissionais se empregam. Foi eficaz em campanhas eleitorais recentes. Mas ainda não provou sua eficácia na sustentação das conquistas. É verdade que o Brasil não é o melhor laboratório para testar os limites das possibilidades desses métodos, exatamente porque eles dependem bastante da qualidade do conteúdo.

Algum entorno do governo Bolsonaro demonstra conhecer bem a inteligência artificial, mas peca bastante no “recheio” dela, que depende essencialmente da “inteligência natural”. Essa deficiência tem colaborado para a decadência da reputação dos meios digitais, cujas mensagens hoje são abraçadas apenas por militantes, voluntários ou não.

O “empate” entre evangélicos e LGBTs nas manifestações de verdade, no entanto, revela que essa massa político-religiosa conservadora, em que pese conduzida por um discurso intelectualmente pobre e retrógrado, é capaz de sustentar uma mobilização que mede forças com seu oposto, culturalmente muito mais preparado. Um empoderamento, no entanto, que não se dá no mundo virtual, através da postagem sistemática de fake news, mas num ambiente essencialmente “analógico”: os templos das igrejas. É aí que a coisa, de fato, funciona.

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)