Os braços de marketing digital das consultorias de negócios e tecnologia ganharam peso no mercado publicitário e estão redefinindo a dinâmica do setor em escala internacional. Segundo o ranking Agency Report, do Advertising Age, a Accenture Interactive teve receitas de US$ 6,51 bilhões em 2017, com um crescimento de 35% em relação ao ano anterior.

Ela já representa o sexto maior grupo da publicidade mundial, atrás de WPP, com receitas de US$ 19,7 bilhões, Omnicom, Publicis, Interpublic e Dentsu. E ela não está sozinha: na sétima colocação ficou a PwC Digital Services, com US$ 5,06 bi de receitas e alta de 54,9%, seguida por Deloitte Digital, Cognizant Interactive e IBM iX.

alphaspirit/iStock

Mais que o tamanho das operações, impressiona o quanto elas estão crescendo de forma acelerada, impactando o ecossistema de agências, procurando absorver não apenas a estratégia de negócios, implementação de sistemas e formatação de produtos e serviços para cliente, mas a própria comunicação e a criatividade.

Por outro lado, as agências reagem, testam modelos e visam entrega cada vez mais consultiva.
“É um movimento global. Não vejo só as consultorias se movimentando para ter uma entrega de comunicação criativa, mas também as agências querendo absorver esse mindset de consultorias”, resume Eco Moliterno, CCO da Accenture Interactive para a América Latina. Em fevereiro de 2017, ele deixou o cargo de vice-presidente de criação de uma das principais agências brasileiras, a Africa, para assumir o desafio do “outro lado”. Sua contratação causou impacto no mercado e alertou para o crescimento das consultorias e sua disposição para fazer entregas que, antes, eram restritas às agências.

Pouco mais de um ano depois desse fato, a discussão evoluiu de um Fla x Flu entre agências e consultorias para as formas como os dois lados estão aprendendo um com o outro, e adotando práticas que fazem evoluir seus negócios. “Depois de um ano na Accenture Interactive, aprendi uma forma de estar mais próximo ao cliente. As consultorias têm um modus operandi em que não há barreira entre fornecedor e cliente. Tudo é feito a quatro mãos. Isso é uma coisa que as agências precisam entender e adotar. Primeiro, porque você só anda para frente porque o cliente vai acompanhando o processo. Além disso, você pode extrair mais detalhes e entender melhor a real necessidade de negócio do cliente”, contextualiza.

Divulgação

Na prática, o trabalho de Eco na Accenture envolve, inclusive, reposicionamentos de marca, um processo complexo, que exige profundidade na relação com o cliente. “A colaboração ainda diferencia o que as consultorias fazem do que as agências têm feito. A Accenture, contando a área Interactive, tem 12 mil funcionários no Brasil, e todos trabalham para chegar no melhor resultado de negócio. Vejo isso como tendência para o futuro”, avalia.

Mas ele crê em um futuro também para as agências que adotarem uma visão mais consultiva. “Vai ser uma coisa no meio do caminho. As consultorias indo além da implementação tecnológica e estratégia de negócios, mas também fazendo a comunicação criativa, que é a embalagem disso para o consumidor final. E as agências querem entrar mais nessa parte estratégica de estruturar produtos e serviços”, analisa.

Aquisição estratégica
O lado de agências está se movimentando para ampliar sua entrega na direção do que as consultorias fazem. Em setembro de 2016, a Dentsu Aegis Network (DAN) adquiriu a Cosin Consulting, hoje chamada Cosin Consulting linked by Isobar. O objetivo era completar um tripé de negócios digitais que envolve criatividade (através da agência Isobar), serviços para plataformas móveis (via Pontomobi) e estratégia de negócios (Cosin). “A cultura de consultoria vem sendo incorporada no DAN Brasil de diferentes formas, seja pelo ângulo de processos, pela forma de abordar clientes ou pela maneira de prospectar novos clientes”, confirma Abel Reis, CEO da DAN Brasil e da Isobar na América Latina. Para ele, a aquisição é a forma mais rápida de as agências buscarem práticas consultivas. “Eu não vejo outro caminho como forma de incorporar capacidades e talentos rapidamente. O custo e o prazo de desenvolvimento orgânico dessas competências seria proibitivo”, analisa.

O impacto nos negócios do grupo já é sentido. A Cosin Consulting vem prestando serviços de consultoria em avaliação sobre retorno de investimento em campanhas de mídia, por exemplo. “Parte do que o mercado convencionou chamar de transformação digital está associada a novos modelos que estreitaram a comunicação e a interação com consumidores. Seja todo o espectro do mar- keting digital, plataformas de CRM, e-commerce ou a imensidão de possibilidades que os dados capturados podem permitir. Atuar sobre esse novo cenário requer competências que as agências tipicamente não possuem, como a modelagem estratégica de novos negócios ou o desenho e implantação de plataformas de tecnologias”, explica Alessandro Cosin, CEO e cofundador da Cosin Consulting linked by Isobar.

Eduardo Lopes/Divulgação

A prática de engenharia de mídia, liderada pela consultoria dentro da DAN, busca melhorar a eficiência nos investimentos em marketing e mídia dos clientes. “Diversos de nossos clientes também já viram a consultoria atuar em projetos integrados com profissionais de nossas agências, atuando na modelagem de um novo negócio, no desenho e implantação de soluções de CRM ou na implantação de plataformas de tecnologia. Ao final, o que o cliente recebe é capacidade criativa e de desafio que as agências trazem com a certeza de que tudo vai parar de pé, que é possível com a metodologia e a entrega da consultoria. O melhor dos dois mundos”, resume Cosin.

Em junho de 2017, o Grupo Ogilvy, ligado ao WPP, lançou no Brasil seu braço OgilvyRED, especializado em consultoria de negócios que existia há mais de cinco anos nos Estados Unidos. A rede acredita que ter uma empresa desse tipo integrada à operação de publicidade, Ogilvy&Mather, é fundamental para alimentar o crescimento do negócio daqui por diante.

Os negócios gerados pela RED já cresceram 50% no primeiro semestre de 2018, na comparação com o ano passado. “Nossa missão original era ocupar um território mais estratégico na área de brand e marketing services e elevar as discussões da Ogilvy ao alto escalão dos clientes. A criatividade também está no centro da OgilvyRED e nós acreditamos que ela é o que vai continuar nos diferenciando no futuro. E oferecemos novas abordagens de design thinking, agile e um approach open source que trazem valor para toda a rede WPP”, explica Chad Cathers, diretor-geral da OgilvyRED. “No Brasil, temos um time diverso de consultores e estrategistas que trabalham em parceria com outros profissionais da Ogilvy, como especialistas de data intelligence, analytics, design de user experience e tecnologia”, explica.

Segundo Cathers, a fórmula que integra uma agência criativa a um grupo de estratégia
e inovação é fundamental para o futuro. “O foco da RED em dados, insights e soluções implementáveis nos permite trabalhar com os profissionais mais criativos do mercado para ajudar os clientes a navegar num mar de complexidades e atacar os seus principais desafios de marca, negócios e inovação”, resume.

Divulgação

Na R/GA, empresa do Grupo Interpublic, a oferta de consultoria existe desde 2012, sob o nome Business Transformation. “Criamos essa oferta porque achávamos que nossa diversidade poderia aumentar com a incorporação de talentos mais específicos e isso seria importante para nos ajudar a resolver problemas maiores e mais complexos que já eram apontados pelos nossos clientes. Hoje, temos 60 consultores pelo mundo que trabalham com um time de cerca de 150 talentos de distintas disciplinas, que são integrados de acordo com cada projeto”, explica Fabiano Coura, presidente da R/GA São Paulo. A agência, inclusive, anuncia que está reorganizando sua oferta de serviços em quatro pilares. Além de Business Transformation, haverá as áreas de Experience Transformation, Brand Transformation e Marketing Transformation.

Ele não abriu números, mas o lado de consultoria da empresa representa já 51% das receitas. Sem dúvida, será uma área fundamental para o crescimento futuro da operação. “Nossa indústria existe para ajudar clientes a crescerem seus negócios e fizemos isso por décadas através de ideias que capturam valor em cima de três hábitos muito simples dos consumidores: o de assistir, escutar e ler. Mas o valor hoje é criado em cima de ideias baseadas em uma infinidade de novos comportamentos e oportunidades, e o ferramental das agências ficou defasado e vem sendo desconstruído. As consultorias dominam um pensamento mais centrado nos negócios que, se combinado com uma forte cultura criativa e maker, cria uma mistura muito poderosa”, analisa o profissional.

Inovação
Agência do WPP, a AKQA tem em seu escritório de São Paulo uma área focada em inovação que trabalha em parceria com as outras operações da rede. “Muitos trabalhos chegam como ofertas de publicidade e, quando percebemos que devemos dar alguns passos para trás, viram projetos consultivos. Trazer essa cultura de consultoria vem muito da noção do business a longo prazo. A maioria das agências, hoje, foca em entregas de ideias ou campanhas de curto prazo, enquanto as consultorias estão olhando as estruturas internas”, afirma Luiza Baffa, head de business inovation da agência. “Por parte das consultorias, há o risco de se estar tanto dentro do negócio que não se consegue respirar o novo e trazer uma lente mais criativa para as entregas. Por isso, a mistura dessas duas culturas é o ideal”, apregoa.

Divulgação

Metodologias 

Não faltam exemplos de agências de capital 100% nacional dos mais diversos portes adotando práticas de consultoria para vitaminar seus negócios. A REF, por exemplo, se prepara para lançar, no segundo semestre, uma consultoria de estratégia e orquestração de projetos de comunicação. “Esta consultoria realizará projetos de escopo inédito no grupo, mas mantendo uma possibilidade de execução tática através das outras empresas”, explica Ricardo Calfat, sócio e COO do grupo REF. “Há três motivadores principais que nos movem em direção à práticas de consultoria: contabilização, neutralidade e diversificação da receita. Nossos clientes querem ver o retorno de cada real investido”, reforça o publicitário.

Muitas dessas agências criaram metodologias próprias como resposta à necessidade da visão consultiva. A Today, do sócio e CSO Adilson Batista, se reorganizou recentemente em três pilares de serviços: Comunicação, que equivale à entrega tradicional de uma agência, Consumer Experience Design (CXD), que desenha experiências e serviços, e Operações, em que se entrega o que foi desenhado. Para CVC, a agência criou a experiência digital dos consumidores conectanda às lojas físicas, e para Carrefour, fez um desenho de experiências e, agora, parte para as campanhas de massa para o braço Atacadão. “Todas as agências e grupos estão se mexendo para adotar práticas de consultoria de algum modo. Isso passa por aprender a estruturar ofertas de serviços e cobrar por ela”, explica Batista.

A MeZa criou uma metodologia própria chamada Brand Therapy, que consiste em etapas em que se aciona as diferentes unidades de negócio da agência para garantir a solução dos problemas pré ou pós comunicação. “O propósito do nosso negócio mudou e continua mudando, assim como as entregas exigidas pelos clientes. Cabe às agências não só criar, mas ouvir, entender, estudar, propor novas estratégias, colocar tudo em prática e mensurar. Muitos dos processos que, antes, eram apenas realizados pelas consultorias”, afirma Marcelo Zampini, sócio e CCO da agência, que criou projetos recentes como “Falando de Proteção”, canal de vendas e relacionamento com o consumidor da DuPont, além do projeto de lançamento do game PES 2018, pra Konami. Assim como em todo case de sucesso que integre as visões de consultoria e agência, as ações apresentaram imersão no negócio do cliente e entrega criativa.

Leia mais

Mercado de eSports e games tem nova consultoria com foco em conteúdo
Consultorias crescem e já se aproximam de agências, segundo o AdAge