De vez em quando me considero um dos reis das inconveniências. Não poucas vezes falo demais, fora de hora, depois me arrependo amargamente de ter desperdiçado uma excelente oportunidade de ter ficado calado. Graças a Deus também tenho amigos que esquecem ou fingem que esqueceram das besteiras que digo e clientes que tentam tirar a média entre os foras e os eventuais acertos. Até agora venho sobrevivendo, mas invejo profundamente aquelas pessoas sensatas que pensam antes de falar ou fazer, ou que foram abençoadas pela ausência de culpa, no estilo do “sou assim mesmo e foda-se”. Em ambos os casos, o sofrimento é menor. O duro é ter consciência e vergonha após a incontinência verbal.

Hoje estou bem melhor, acredito, mas já fui capaz, há muito tempo, de avacalhar com toda veemência um leiaute me apresentado por um cliente e depois fui informado que era de autoria da filha dele. Desde aquele dia tenho imaginado saídas mais ou menos honrosas, mas naquele momento quase me atirei pela janela. Só não o fiz porque o escritório ficava no térreo e eu apenas acrescentaria ao vexame um braço quebrado, se tanto.

Dessas besteiras, uma das maiores que me lembro de ter feito foi quando meu sócio Valdir, orgulhosamente, me apresentou seu novo apartamento que, além de muito bonito, tinha uma magnífica varanda voltada para a Lagoa Rodrigo de Freitas, um dos mais encantadores lugares do Rio. Eu não sabia que a mulher do Valdir e a sogra dele já estavam no apartamento. Portanto, imaginei que estávamos os dois sozinhos. Detalhe: a sogra do Valdir era cega, o que vai ajudar muito em tornar a história horripilante. Estávamos na sala, por sinal imensa, e eu não poupei elogios à casa. Vai daí que Valdir me contou que o único problema era que havia uma construção ao lado, cuja barulheira se iniciava às oito horas da manhã e ia até a tarde, tornando a vida praticamente insuportável durante o dia.

Tentei ajudar, explicando que esse problema não tinha nenhuma importância, pois durante o dia o casal estaria trabalhando e o barulho não incomodaria. Valdir então me explicou que o inconveniente não era com ele e a mulher, mas com a sogra, que permaneceria em casa. O idiota que lhe escreve respondeu: “Puxa, cara, que pena que ela é cega e não surda!”. Brilhante, não é? Pois sem que eu percebesse tanto a Márcia como a mãe tinham entrado na sala e ouviram claramente minha resposta. Terese (era esse o nome da sogra) passou o resto da vida contando essa história e cada vez que se encontrava comigo me perguntava rindo: “Quer dizer, Lula Vieira, que você preferiria que eu fosse surda em vez de cega?” Até o dia que alguém, mais inteligente que eu, achou uma resposta para o chiste: “A senhora não imagina o quanto!” Claro que ele se referia ao incômodo causado pela obra e à minha frase.

Já que um assunto puxa o outro, fui convidado por outro grande amigo, também cego, para jantar num dos mais famosos restaurantes de Lisboa, o Eleven. Esse amigo é proprietário de uma cadeia de restaurantes e amigo do chef, o que garantiu um dos melhores jantares que tive na vida. Foi um desfile incrível dos pratos mais saborosos e criativos, acompanhados dos vinhos mais maravilhosos possíveis. O Eleven fica num ponto elevado, o que permite que os grandes janelões exibam uma paisagem deslumbrante de Lisboa. Já nos licores, falei para meu amigo: “Muito obrigado por tudo. Você tem razão: é um dos melhores restaurantes do mundo. E, além da comida, tem também esta vista maravilhosa!”

Para não me restringir apenas a pessoas com problemas visuais, ou só ratas de minha autoria, aproveitando as eleições, tem também a história de João Goulart. Numa cidade do interior do Rio Grande do Sul, naquelas longas maratonas que os candidatos são obrigados a fazer em época de eleições, já não sabendo onde estava, deparou-se com um auditório barulhento esperando seu discurso. Virou-se para o assistente e disse: “O que eu falo para essa porra desse povo?” O auxiliar puxou-o de lado e respondeu: “Começa pedindo desculpas, porque o microfone está aberto”. Adoro repetir esta história só para me convencer que não sou só eu que, de vez em quando, tenta imaginar que a gente tenha o poder de voltar no tempo.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)

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