Voltando ao tema da coluna anterior, dos fluxos e refluxos do mercado, é importante registrar que o tsunami digital sinaliza que a fase do entusiasmo irracional está terminando e uma etapa de mais racionalidade se inicia, com o resgate de algumas soluções que jamais deixaram de ter força, mas foram menosprezadas por parte dos anunciantes e agências.

Usando a referência do mercado publicitário americano, podemos observar que o ponto de inflexão foi a década de 1960 e 1970, quando a TV aberta passou a dominar a publicidade e a gerar riquezas de monta, não só para esta mídia, mas para as agências e o campo da produção. O negócio movimentava US$ 11,9 bilhões em 1960 e passou para US$ 53,6 bi em 1980.

Melhor ainda para o ecossistema da publicidade, a TV passou a oferecer maiores resultados em termos de fortalecimento da marca e ativação de negócios, alimentando o ciclo virtuoso dos investimentos em mídia dos anunciantes. E a expansão da TV não ocorreu à custa da redução da receita das demais mídias. Recentemente, além da concentração no duopólio Google e Facebook, houve a entrada das martechs, que estão retirando mais recursos do sistema do que contribuindo para sua receita, e o câncer das fraudes, que leva investimentos dos anunciantes para a caixa-preta do nada.

Além da redução do ritmo de expansão do digital, que ainda se beneficia da inércia recente, temos, como registrado na última coluna, uma reativação do rádio, do OOH e do cinema, além de sinais de que a TV não apenas está segurando sua posição, mas dá sinais de reversão da sua curva descendente. Em nosso negócio, o dinheiro segue o nível de consumo das mídias, ou seja, a audiência que motiva os anunciantes a colocarem seus recursos na perspectiva de obterem resultados comerciais.

A audiência da TV registra grande vitalidade, lembrando que não se trata apenas de seu core, a programação linear da live TV, que ainda domina, de longe, o share of video dos consumidores nos Estados Unidos, Reino Unido e, principalmente, no Brasil (e também na maioria dos mercados ao redor do planeta). Um dado recente, de junho agora, foi gerado pela Comcast, a maior operadora de TV a cabo do mundo, que contabilizou um crescimento, nos EUA, da TV aberta, agora consumida, juntando live e on demand, por 6h25m diárias em cada domicílio – uma expansão de 20 minutos por dia no ano de 2018.

Outro sinal é a guerra pelo streaming, pois todos os big players estão sentindo cheiro de expansão de audiência com esse formato, inclusive do AdVOD (on demand com publicidade). Estamos falando da
Netflix, mas também da Hulu (negócio da Comcast, Fox e Disney, agora controlada por esta última), da Amazon, do sistema HBO (Time Warner, hoje da AT&T), das demais redes de TV americanas e britânicas e de outros concorrentes de peso pelo mundo, como a Globoplay.

No Reino Unido, houve redução do consumo de TV de 2017 para 2018, mas a distância desse meio para o streaming e o YouTube permanece enorme. No ano, a média de minutos consumidos por dia na TV tradicional foi de 192 minutos, contra 26 do streaming e 34 do YouTube. Nos Estados Unidos, o VAB fez uma análise da audiência total da TV em relação ao meio digital e chegou a dados impressionantes, fazendo uma consolidação das informações referentes a junho de 2019.

Na população acima de 18 anos, a audiência média dos canais de TV por minuto (incluindo sua “transmissão” online) é de 31,4 milhões de pessoas, contra 15,8 milhões da soma dos dez digitais de maior audiência que vêm em seguida. São claros os sinais de que o refluxo da publicidade se inicia e a TV, uma vez mais, será uma das forças dominantes desse movimento.

Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafaelsampaio103@gmail.com)